Explique como o ângulo de contato entre o sólido a ser formado e o sólido préexistente afeta a variação total da energia de Gibbs envolvida na nucleação heterogênea.

Passo 1

O que o enunciado pede: explicar como o ângulo de contato entre o sólido que está se formando e o sólido já presente altera a variação total da energia de Gibbs envolvida na nucleação heterogênea.
Informações relevantes fornecidas implicitamente (que vou usar): existe um núcleo sólido (a nova fase) que aparece sobre uma superfície plana do sólido pré-existente; o núcleo tem forma de calota esférica (sendo essa a aproximação usual); há tensões interfaciais entre as três superfícies que se encontram (núcleo/ambiente, núcleo/substrato, ambiente/substrato).
O que vou calcular: a variação da energia livre total associada à formação de uma calota de raio R e como o valor máximo dessa variação (barreira de nucleação) depende do ângulo de contato \theta entre o núcleo e o substrato.

Passo 2

Desenho mental e definições geométricas simples (pra você visualizar): imagine uma esfera de raio R “cortada” pela superfície plana do substrato. A parte acima da superfície é a calota esférica (o núcleo). Definimos:
\theta = ângulo de contato entre a superfície da calota e o substrato (ângulo medido no interior do fluido/ambiente ou conforme a convenção abaixo — usarei a convenção usual onde \theta vai de 0 a \pi).
Altura da calota: h = R(1-\cos\theta).
Área da superfície curva da calota (núcleo / ambiente): \displaystyle A_{\alpha\beta} = 2\pi R^{2}(1-\cos\theta).
Área do disco de contato (base da calota, em contato com o substrato): \displaystyle A_{\alpha s} = \pi R^{2}\sin^{2}\theta.
Volume da calota (volume do núcleo): \displaystyle V = \frac{\pi R^{3}}{3}\bigl(2-3\cos\theta+\cos^{3}\theta\bigr).
Explicação rápida de cada expressão: essas fórmulas vêm da geometria de calotas esféricas — se quiser eu mostro a dedução da fórmula do volume a partir de h, mas aqui vou usá-la porque é padrão.

Passo 3

Termos que compõem a variação de energia livre ao formar uma calota de raio R:
  • Termo volumétrico (ganho energético por passar do estado metastável para o sólido): -V\,\Delta g_{v}, onde \Delta g_{v} é a variação volumétrica da energia livre por unidade de volume (positivo quando a nova fase é termodinamicamente favorável), portanto o termo é negativo porque a formação do núcleo reduz a energia volumétrica. Vou tratar \Delta g_{v}>0 como o módulo da diferença (alguns livros usam \Delta G_v negativo; aqui usarei \Delta g_v>0 e o termo com sinal explícito).
  • Termos de superfície (custos devido a novas interfaces): o núcleo cria uma interface núcleo/ambiente de área A_{\alpha\beta} com energia por área \gamma_{\alpha\beta}. Além disso substitui uma área do substrato que antes estava em contato com o ambiente por uma área em contato com o núcleo: a energia dessa mudança é A_{\alpha s}(\gamma_{\alpha s}-\gamma_{\beta s}), onde \gamma_{\alpha s} é a tensão entre núcleo e substrato e \gamma_{\beta s} entre ambiente e substrato.
    Assim, a variação total de Gibbs associada à formação do núcleo de raio R é
\Delta G(R) = -V\,\Delta g_{v} + \gamma_{\alpha\beta}\,A_{\alpha\beta} + A_{\alpha s}\,(\gamma_{\alpha s}-\gamma_{\beta s}).

Passo 4

Simplificação usando a condição de equilíbrio de contato (equação de Young). A equação de Young relaciona as três tensões interfaciais no ponto de contato:
\gamma_{\beta s} = \gamma_{\alpha s} + \gamma_{\alpha\beta}\cos\theta.
Rearranjando obtemos
\gamma_{\alpha s}-\gamma_{\beta s} = -\gamma_{\alpha\beta}\cos\theta.
Substituindo isso no termo de superfície da expressão anterior dá
\Delta G(R)= -V\,\Delta g_{v} + \gamma_{\alpha\beta}\,A_{\alpha\beta} - \gamma_{\alpha\beta}\cos\theta\,A_{\alpha s}.
Factorizando \gamma_{\alpha\beta}:
\Delta G(R)= -V\,\Delta g_{v} + \gamma_{\alpha\beta}\bigl(A_{\alpha\beta} - A_{\alpha s}\cos\theta\bigr).
Aqui \gamma_{\alpha\beta} é a tensão entre o núcleo sólido e o meio ambiente (por ex. sólido/líquido ou sólido/vapor), \Delta g_{v} é a diferença de energia por volume entre as fases e as áreas são as da calota definidas antes.

Passo 5

Substituição das expressões geométricas para escrever \Delta G(R) explicitamente em termos de R e \theta. Usando as fórmulas do Passo 2:
V = \frac{\pi R^{3}}{3}\bigl(2-3\cos\theta+\cos^{3}\theta\bigr),
A_{\alpha\beta} = 2\pi R^{2}(1-\cos\theta),
A_{\alpha s} = \pi R^{2}\sin^{2}\theta.
Logo
\Delta G(R)= -\frac{\pi R^{3}}{3}\bigl(2-3\cos\theta+\cos^{3}\theta\bigr)\Delta g_{v} + \gamma_{\alpha\beta}\Bigl[2\pi R^{2}(1-\cos\theta) - \pi R^{2}\sin^{2}\theta\cos\theta\Bigr].
Podemos simplificar o termo entre colchetes usando \sin^{2}\theta = 1-\cos^{2}\theta. Mas não é necessário expandir tudo agora: a forma estrutural mostra um termo \propto R^{3} negativo e um termo \propto R^{2} positivo — essa competição dá uma barreira com máximo em um R^{*} (raio crítico).

Passo 6

Encontrar o raio crítico R^{*} (onde \Delta G é máximo): diferenciar \Delta G(R) em relação a R e igualar a zero. Como os fatores geométricos dependem de R de forma polinomial, o resultado padrão (e importante) é que o R^{*} encontrado para a calota é o mesmo que o raio crítico da nucleação homogênea (ou seja, não depende da presença do substrato). Explicitamente a condição dá
\frac{d\Delta G}{dR}=0 \quad\Rightarrow\quad R^{*}=\frac{2\gamma_{\alpha\beta}}{\Delta g_{v}}.
Explicação física: o equilíbrio entre custo superficial (∝ \gamma_{\alpha\beta}) e ganho volumétrico (∝ \Delta g_{v}) fixa o raio crítico; o substrato muda somente os fatores geométricos (volume/área da calota) multiplicando a energia, mas não altera a razão fundamental que define R^{*}.

Passo 7

Calcular a barreira energética máxima substituindo R^{*} em \Delta G(R). O resultado padrão bem conhecido e que surge ao fazer a substituição e simplificar é
\Delta G^{*}_{\text{het}} = f(\theta)\,\Delta G^{*}_{\text{hom}},
onde \Delta G^{*}_{\text{hom}} é a barreira de nucleação homogênea (núcleo esférico completo) dada por
\Delta G^{*}_{\text{hom}} = \frac{16\pi\gamma_{\alpha\beta}^{3}}{3\,\Delta g_{v}^{2}},
e o fator geométrico depende somente do ângulo de contato:
f(\theta)=\frac{2-3\cos\theta+\cos^{3}\theta}{4} = \frac{(1-\cos\theta)^{2}(2+\cos\theta)}{4}.
Breve explicação das duas partes: \Delta G^{*}_{\text{hom}} é a barreira quando o núcleo é uma esfera completa (caso sem substrato). O fator f(\theta) aparece porque a calota tem menor volume relativo e diferentes áreas de superfície em relação à esfera completa — ele escala a barreira.

Passo 8

Analisar o comportamento de f(\theta) e o significado físico:
  • Limites importantes:
    • Para \theta=0 (se o núcleo “espalha” totalmente sobre o substrato, ótimo molhamento), \cos\theta=1 e f(0)=0.Interpretação: não há barreira de nucleação (ou é muito pequena) — o substrato catalisa fortemente a formação da nova fase.
    • Para \theta=\pi (não molha, gota perfeitamente esférica apoiada apenas tangencialmente), \cos\theta=-1 e f(\pi)=1.Interpretação: o caso é igual ao da nucleação homogênea — o substrato não ajuda.
    • Para \theta=\pi/2 (ângulo reto), \cos\theta=0 e f\bigl(\tfrac{\pi}{2}\bigr)=\frac{2}{4}=\frac{1}{2}.Interpretação: a barreira é reduzida pela metade em comparação com o caso homogêneo.
  • Comportamento monotônico: f(\theta) aumenta com \theta (quanto maior o ângulo, menos o substrato favorece a nucleação), portanto a barreira cresce quando o substrato é menos “agradável” para o novo sólido.

Passo 9

Intuição física simples e útil pra prova: o ângulo de contato mede o quanto o novo sólido “gosta” de estar em contato com o substrato. Se o núcleo se espalha (pequeno \theta), a área de interface dispendiosa núcleo/ambiente diminui e parte da interface ambiente/substrato é substituída por núcleo/substrato de energia geralmente mais favorável — o custo energético total para formar um núcleo fica menor. Por isso a barreira de nucleação cai com \theta. No extremo \theta=0 o substrato é um catalisador perfeito e a barreira some; no extremo \theta=\pi não há vantagem e recuperamos a nucleação homogênea.

Passo 10

Aplicações práticas e dica de prova (rápida e motivadora): sempre que aparecer uma questão sobre nucleação heterogênea, memorize a forma funcional
\Delta G^{*}_{\text{het}} = f(\theta)\,\Delta G^{*}_{\text{hom}},\qquad f(\theta)=\frac{(1-\cos\theta)^{2}(2+\cos\theta)}{4},
e lembre os limites f(0)=0, f(\pi/2)=1/2, f(\pi)=1. Em prova, explique fisicamente e, se pedir, derive a partir da expressão de \Delta G(R) usando as áreas/volume da calota e a equação de Young — o procedimento é o que mostrei nos passos anteriores. Você consegue — respira fundo e lembra das formas geométricas da calota que são padrão!

Resposta

\displaystyle \Delta G^{*}_{\text{het}} = f(\theta)\,\Delta G^{*}_{\text{hom}},\quad f(\theta)=\frac{2-3\cos\theta+\cos^{3}\theta}{4}=\frac{(1-\cos\theta)^{2}(2+\cos\theta)}{4}.
Limites: f(0)=0 (sem barreira), f(\pi/2)=\tfrac{1}{2}, f(\pi)=1 (igual ao caso homogêneo).

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