Por que o indicador negro de eriocromo T não é um bom indicador para titulações complexométricas de soluções contendo apenas íons \mathrm{Ca}^{2+}, necessitando também da presença de \mathrm{Mg}^{2+} ?

Passo 1

O que o enunciado pede: explicar por que o indicador Eriochrome T (também chamado Eriochrome Black T) não é um bom indicador para titulações complexométricas de soluções que contêm apenas íons \mathrm{Ca}^{2+}, exigindo a presença de \mathrm{Mg}^{2+}.
Informações/dados relevantes dados pelo enunciado: temos titulação complexométrica (ou seja, uso de um quelante como o EDTA) e o indicador é Eriochrome T. Não há figura ou tabela adicional.
Pergunta que vamos responder: qual é o motivo químico / prático pelo qual, na ausência de \mathrm{Mg}^{2+}, o Eriochrome T falha em produzir um ponto de viragem visível e confiável ao titular apenas \mathrm{Ca}^{2+}?

Passo 2

Breve revisão do princípio usado aqui (isso é importante para entender a razão): numa titulação complexométrica com EDTA usamos um indicador que muda de cor quando está ligado a um metal ( \text{M}) e quando está livre. O esquema geral é:
\text{M} + \text{In} \rightleftharpoons \text{MIn}
\text{M} + \text{EDTA} \rightleftharpoons \text{M-EDTA}
Onde \text{In} é o indicador. A cor observada antes da titulação é a cor de \text{MIn} (se esse complexo existe em boa fração), e após o EDTA complexar os \text{M} o indicador fica livre e muda para a cor de \text{In} livre. Para que isso funcione bem, precisamos de duas condições qualitativas:
  1. O complexo \text{MIn} deve ser suficientemente estável para que o indicador esteja majoritariamente ligado ao metal no início (assim a solução tem a cor do complexo).
  2. O complexo \text{M-EDTA} deve ser suficientemente mais estável que \text{MIn} para que, ao adicionar EDTA, ocorra deslocamento rápido e nítido:
\text{MIn} + \text{EDTA} \longrightarrow \text{M-EDTA} + \text{In}
Essa diferença de estabilidade gera a mudança de cor clara no ponto final.

Passo 3

Explicando o comportamento específico do Eriochrome T de forma didática e sem pular etapas:
  • O Eriochrome T tem duas formas que interessam aqui: a forma ligada ao metal ( \text{MIn}, cor vinho-avermelhada) e a forma livre (cor azul).
  • A intensidade da cor vinho-avermelhada depende da fração do indicador que está ligado ao metal. Essa fração, para um equilíbrio simples, pode ser estimada (de forma qualitativa) pela expressão do constante de formação K do complexo \text{MIn}:
K = \frac{[\text{MIn}]}{[\text{M}][\text{In}]}
Se rearranjarmos para a fração ligada \theta=\dfrac{[\text{MIn}]}{[\text{In}]_{\text{tot}}} e simplificarmos (assumindo que [\text{M}] é aproximadamente a concentração total do metal), temos uma dependência do tipo
\theta \approx \frac{K\,[\text{M}]}{1 + K\,[\text{M}]}
Isto mostra uma regra prática: para que \theta seja grande (indicador majoritariamente ligado, cor do complexo bem visível), precisamos que K\,[\text{M}]\gg 1. Se K\,[\text{M}]\ll 1, a fração ligada é pequena e a cor do complexo não aparecerá.

Passo 4

Aplicando o raciocínio anterior aos íons \mathrm{Mg}^{2+} e \mathrm{Ca}^{2+}:
  • O Eriochrome T forma um complexo relativamente estável com \mathrm{Mg}^{2+}. Ou seja, para concentrações usuais em titulação e no pH adequado (normalmente pH \approx 10, tampão amônia/amónio), o produto K_{\mathrm{MgIn}}\,[\mathrm{Mg}^{2+}] costuma ser bem maior que 1. Logo o indicador fica majoritariamente na forma \mathrm{MgIn} e a solução apresenta a cor vinho-avermelhada inicial — ponto de partida visível e útil.
  • Com \mathrm{Ca}^{2+} isso é diferente: o complexo \mathrm{CaIn} é muito menos estável (ou forma-se com muito pouca intensidade nas condições de pH usadas). Assim K_{\mathrm{CaIn}}\,[\mathrm{Ca}^{2+}] pode ser \ll 1 nas mesmas condições, o que significa que a fração de indicador ligada a \mathrm{Ca}^{2+} é pequena e a cor vinho-avermelhada não aparece de modo pronunciado. Na prática a solução pode já estar na cor do indicador livre (azul) desde o início, ou o tom vinho será muito fraco para permitir um ponto final nítido.

Passo 5

Por que isso impede uma titulação confiável quando há só \mathrm{Ca}^{2+}:
  • Se não há cor inicial do complexo (ou ela é muito fraca), não há uma mudança de cor perceptível quando o EDTA complexa o \mathrm{Ca}^{2+}. O indicador precisa “liberar” a cor que só aparece quando passa de \text{MIn} para \text{In}. Se não houve \text{MIn} suficiente para começar, não haverá mudança clara.
  • Mesmo que uma pequena fração de \mathrm{CaIn} exista, a diferença de estabilidade entre \mathrm{CaIn} e \mathrm{Ca-EDTA} pode não gerar um deslocamento rápido e nítido da cor na faixa de concentrações prática, resultando em ponto final impreciso.

Passo 6

Qual é então o papel do \mathrm{Mg}^{2+} quando ele está presente?
  • A presença de \mathrm{Mg}^{2+} garante que o indicador esteja inicialmente na forma complexada ( \mathrm{MgIn}, cor vinho). Durante a titulação com EDTA, o EDTA complexa inicialmente os metais que estão livres e depois vai deslocando o indicador do \mathrm{MgIn}, liberando o indicador livre e produzindo a mudança vinho → azul bem característica.
  • Embora o EDTA complexue ambos os íons ( \mathrm{Mg}^{2+} e \mathrm{Ca}^{2+}), é a existência do complexo indicador– \mathrm{Mg}^{2+} que fornece a mudança de cor visível. Portanto, mesmo que eu esteja titulando o total \mathrm{Ca}^{2+}+\mathrm{Mg}^{2+}, o sinal óptico do ponto final é “controlado” pelo comportamento do \mathrm{MgIn}.

Passo 7

Outros fatores relevantes (pH e tampão) — não podemos esquecer:
  • O Eriochrome T funciona no pH alcalino (típico pH \approx 10) porque nessa faixa o indicador está na forma desprotonada apropriada para formar o complexo colorido. Se o pH for muito baixo, o indicador fica protonado e a cor e afinidades mudam.
  • Portanto, mesmo para \mathrm{Ca}^{2+}, se modificarmos muito o pH ou as concentrações de indicador/metal poderíamos forçar alguma complexação, mas essas condições não são as usuais nem práticas para uma titulação de rotina. Por isso, na prática, dizemos que o Eriochrome T não é adequado para titrar apenas \mathrm{Ca}^{2+} nas condições normais.

Passo 8

Resumo lógico e compacto do porquê (para memorização rápida na prova):
  • O indicador precisa existir majoritariamente na forma \text{MIn} antes de titular para haver uma mudança de cor evidente.
  • O Eriochrome T forma facilmente esse complexo visível com \mathrm{Mg}^{2+} (condição satisfeita), mas não forma de modo significativo com \mathrm{Ca}^{2+} nas mesmas condições (condição falha).
  • Sem \mathrm{Mg}^{2+} a cor inicial não aparece e, portanto, não há mudança nítida ao adicionar EDTA — logo é inadequado para soluções que contêm apenas \mathrm{Ca}^{2+}.

Resposta

Porque o Eriochrome T forma um complexo colorido estável e bem visível com \mathrm{Mg}^{2+} nas condições de titulação (pH \approx 10), mas não forma um complexo suficientemente estável com \mathrm{Ca}^{2+}. Assim, sem \mathrm{Mg}^{2+} não há a cor inicial do complexo ( \text{MIn}) que precisa ser liberada pelo EDTA para produzir a mudança de cor nítida no ponto final, tornando o indicador impróprio para titrar soluções contendo somente \mathrm{Ca}^{2+}.

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