Como sabemos do que o Sol é feito se o homem nunca foi até lá?

Passo 1

O que o problema pergunta: “Como sabemos do que o Sol é feito se o homem nunca foi até lá?”
Informações disponíveis que podemos usar (tudo aquilo que observamos ou medimos sem viajar ao Sol): luz do Sol (espectro), neutrinos solares, partículas do vento solar, composição de meteoritos primitivos, medições por sondas e modelos físicos do interior solar. A resolução vai explicar, passo a passo, como usamos essas informações para deduzir a composição do Sol.

Passo 2

Primeiro conceito fundamental: a luz como fonte de informação química. Quando olhamos para a luz do Sol dividida por cor (espectro) vemos uma curva contínua com linhas escuras sobre ela (linhas de Fraunhofer). Essas linhas não são “sujeira” no telescópio: são assinaturas das transições eletrônicas de átomos e íons que absorvem luz em comprimentos de onda bem definidos. Um exemplo simples para fixar a ideia: a série Balmer do hidrogênio tem linhas fortes visíveis, por exemplo \text{H}\alpha em \(656{,}3\\ \text{nm}) e \text{H}\beta em \(486{,}1\\ \text{nm}). Se eu vejo uma linha escura exatamente em \(656{,}3\\ \text{nm}), isso me diz: “há hidrogênio absorvendo nessa altura de energia”.
Como sabemos qual elemento gerou cada linha? Laboratório. Cada elemento tem um conjunto de comprimentos de onda onde absorve ou emite luz — é como uma impressão digital. Na Terra, em laboratório, excitamos átomos e medimos exatamente essas linhas; depois comparamos com as linhas observadas no Sol. Se coincidem (mesmo padrão de linhas), o elemento está presente. Exemplo prático: as linhas duplas do sódio (linhas D) aparecem em \(589{,}0\\ \text{nm}) e \(589{,}6\\ \text{nm}); sua presença no espectro solar indica sódio na atmosfera solar.

Passo 3

Identificar elementos é uma coisa; determinar quanto há de cada um é outra. A intensidade de uma linha depende de três coisas principais: (a) a abundância do elemento, (b) a temperatura e densidade da camada que absorve (fotosfera), (c) o estado de ionização e excitação dos átomos. Para separar essas causas usamos modelos da atmosfera solar e física de transições atômicas. Dois conceitos que aparecem nesses modelos são:
  • A distribuição de níveis de energia (Boltzmann), que diz quantos átomos estão em um certo nível excitado a uma dada temperatura.
  • A ionização (Saha), que diz quantos átomos estão ionizados em função da temperatura e da densidade eletrônica.
    A equação de Saha, mostrada de forma compacta, é:
\frac{n_{i+1}\,n_e}{n_i}=\left(\frac{2\pi m_e k T}{h^2}\right)^{3/2}\frac{2U_{i+1}}{U_i}e^{-\chi/(kT)}
onde n_i é a densidade de átomos no estado de ionização i, n_{i+1} a do próximo estado, n_e a densidade eletrônica, m_e a massa do elétron, k a constante de Boltzmann, h a constante de Planck, U_i funções geradoras (fatores de degenerescência) e \chi energia de ionização. Usando essas fórmulas e um modelo de temperatura da fotosfera (cerca de \(5778\\ \text{K})), calculamos como a abundância de cada elemento se traduz em intensidade de linhas e ajustamos o modelo até corresponder ao espectro observado. Assim obtemos abundâncias relativas.

Passo 4

Outras ferramentas independentes reforçam e refinam esses números: heliosismologia. O Sol vibra (ondas acústicas internas) e essas vibrações geram modos que medimos como pequenas variações na superfície. A velocidade das ondas depende da densidade, temperatura e composição do interior. Ao comparar observações das frequências dos modos com modelos teóricos, conseguimos restringir a fração de hélio no interior e testar a consistência das abundâncias determinadas pela espectroscopia. Isso é uma prova indireta, mas muito poderosa, porque fala do interior do Sol, não só da superfície.

Passo 5

Medição direta do processo energético: neutrinos solares. Reações de fusão no núcleo do Sol produzem neutrinos com energias características. Experimentos na Terra (por exemplo Homestake, Super-Kamiokande, SNO) detectaram o fluxo e o espectro desses neutrinos. A taxa medida e a energia dos neutrinos confirmam que o Sol funde hidrogênio em hélio no núcleo e que a potência liberada é compatível com modelos que usam as abundâncias deduzidas. A resolução do “problema dos neutrinos solares” (diferença inicial entre o que se previa e o que se detectava) também trouxe a física das oscilações de neutrinos como peça do quebra-cabeça — mas o ponto principal aqui é: neutrinos provam que a fusão do hidrogênio está ocorrendo como previsto.

Passo 6

Fontes complementares para elementos pesados: vento solar, meteoritos e amostras. O vento solar (partículas que escapam do Sol) e amostras de meteoritos primitivos (principalmente condritos CI) contêm muitos elementos pesados com abundâncias que costumam representar bem a composição do sistema solar primitivo. Medições laboratoriais de meteoritos dão abundâncias relativas de metais (elementos mais pesados que hélio) com grande precisão; combinando isso com as abundâncias solares deduzidas por espectroscopia, temos um mapa coerente da composição química.

Passo 7

Combinação de evidências e resultado final. Todas essas linhas de evidência (espectroscopia, laboratórios, modelos atmosféricos com Saha/Boltzmann, helioseismologia, neutrinos, meteoritos e amostras de vento solar) convergem para um resultado consistente: o Sol é composto majoritariamente de hidrogênio e hélio, com uma pequena fração de elementos mais pesados (chamados “metais” em astronomia). Valores aproximados por massa são:
X \\ (\text{hidrogênio}) \approx 0{,}74,\qquad Y\\ (\text{hélio}) \approx 0{,}24,\qquad Z\\ (\text{metais}) \approx 0{,}02.êé
Isso significa, em porcentagem aproximada, \approx 74\% de hidrogênio, \approx 24\% de hélio e \approx 2\% de elementos mais pesados.

Resposta

X\\ (\text{hidrogênio}) \approx 0{,}74ê
Y\\ (\text{hélio}) \approx 0{,}24é
Z\\ (\text{metais}) \approx 0{,}02

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