O sistema água-fenol apresenta temperatura consoluta superior ( \sim 65,8^{\circ} \mathrm{C} ) e miscibilidade parcial em certas composições. Explique por que a miscibilidade aumenta com a temperatura neste sistema.

Passo 1

O enunciado diz que o sistema água–fenol tem temperatura consoluta superior (Temperatura Crítica de Solubilidade) aproximadamente \sim 65,8^\circ\mathrm{C} e que apresenta miscibilidade parcial em certas composições a temperaturas mais baixas. A pergunta é: por que a miscibilidade aumenta quando a temperatura aumenta?
Informações relevantes fornecidas: a existência de uma temperatura consoluta superior \sim 65,8^\circ\mathrm{C} e comportamento de miscibilidade parcial abaixo dessa temperatura.

Passo 2

Regra-termodinâmica central que vamos usar: duas fases são miscíveis (ou uma mistura é estável) quando a variação da energia livre de mistura é negativa:
\Delta G_{\text{mix}}<0.
A energia livre de mistura pode ser escrita na forma clássica
\Delta G_{\text{mix}}=\Delta H_{\text{mix}}-T\Delta S_{\text{mix}},
onde \Delta H_{\text{mix}} é a entalpia de mistura, \Delta S_{\text{mix}} é a entropia de mistura e T é a temperatura absoluta. Vou explicar o que cada termo significa: \Delta H_{\text{mix}} mede o ganho ou gasto de energia ao romper e formar interações entre moléculas ao misturar; \Delta S_{\text{mix}} mede a mudança de desordem/numbero de microestados ao misturar.

Passo 3

Interpretação física qualitativa para água–fenol do sinal de \Delta H_{\text{mix}}. Água forma uma rede extensa de ligações de hidrogénio água–água que é bastante estável; para misturar fenol com água é preciso romper parte dessa rede e formar interações água–fenol. Na prática, romper ligações água–água custa energia e as novas interações água–fenol não compensam totalmente esse custo. Portanto, para água–fenol tipicamente
\Delta H_{\text{mix}}>0
(isto é, mistura endoterma — mistura “custa” energia). Explico de forma simples: a energia necessária para desfazer a estrutura de água é maior do que a energia ganha ao ligar phenol à água.

Passo 4

Interpretação física qualitativa para \Delta S_{\text{mix}}. Misturar dois líquidos aumenta, em geral, a desordem porque as moléculas têm mais formas diferentes de se distribuir; isso tende a tornar \Delta S_{\text{mix}}>0. Contudo, em soluções aquosas há efeitos específicos: moléculas orgânicas aromáticas (o anel do fenol) podem provocar ordenação local da água (efeito hidrofóbico parcial), o que pode reduzir a entropia em certas condições. Mesmo assim, quando a temperatura sobe, a estrutura em rede da água é enfraquecida e mais microestados ficam acessíveis, aumentando efetivamente o termo entropia favorável à mistura. Então, ao subir T o termo -T\Delta S_{\text{mix}} torna-se mais negativo (mais favorável à mistura).

Passo 5

Combinação dos termos e consequência para miscibilidade. Como vimos,
\Delta G_{\text{mix}}=\Delta H_{\text{mix}}-T\Delta S_{\text{mix}}.
  • A baixa temperatura: o termo \Delta H_{\text{mix}}>0 pode dominar, fazendo \Delta G_{\text{mix}}>0 → separação de fases (miscibilidade parcial).
  • Ao aumentar T: o termo -T\Delta S_{\text{mix}} cresce em magnitude (mais negativo) e, se \Delta S_{\text{mix}}>0 ou fica mais favorável por quebra da estrutura da água, pode superar \Delta H_{\text{mix}}. Quando isso acontece, \Delta G_{\text{mix}} passa a ser negativo e o sistema fica homogêneo. Esse é exatamente o mecanismo por trás de uma temperatura consoluta superior (UCST): acima de uma certa T_c a mistura torna-se espontaneamente miscível.

Passo 6

Demonstração simples com um modelo clássico (modelo de solução regular) para ver matematicamente como T aparece. No modelo regular:
\Delta G_{\text{mix}}=RT\bigl[x\ln x+(1-x)\ln(1-x)\bigr]+x(1-x)\,\Omega,
onde x é a fração molar de um dos componentes, R é a constante dos gases, e \Omega é um parâmetro de interação que representa a contribuição entalpica (se \Omega>0 há tendência a separação). Neste modelo, a estabilidade é controlada pelo balanço entre o termo entrópico RT[\cdots] e o termo entálpico x(1-x)\Omega. A condição de spinodal (onde a mistura deixa de ser estável) vem de
\frac{\partial^2\Delta G_{\text{mix}}}{\partial x^2}=0.
Calculando (passo rápido):
\frac{\partial^2\Delta G_{\text{mix}}}{\partial x^2}=\frac{RT}{x(1-x)}-2\Omega.
No ponto crítico simétrico x=\tfrac{1}{2} essa condição dá
\Omega=2RT_c \quad\Rightarrow\quad T_c=\frac{\Omega}{2R}.
Isso deixa claro: se \Omega>0 (interações desfavoráveis entre componentes) existe uma T_c acima da qual a entropia (o termo com RT) vence e a mistura é estável. Para água–fenol a T_c experimental aparece em \sim 65,8^\circ\mathrm{C}.

Passo 7

Pintura molecular intuitiva para fixar a ideia (sem jargão): pense na água fria como uma “teia” forte de ligações de hidrogénio que prefere ficar consigo mesma; ao adicionar fenol, a teia é perturbada e fica energeticamente caro — por isso a mistura separa quando frio. Ao aquecer, a teia de água afrouxa, as moléculas podem reorganizar-se mais facilmente, o fenol “entra” na água sem tanto custo energético, e a aleatoriedade do sistema aumenta. O aumento da desordem (entropia) com a temperatura é o que “puxa” o sistema para misturar acima da temperatura consoluta.

Passo 8

Resumo final e conclusão encorajadora: a miscibilidade aumenta com a temperatura porque a mistura é entalpicamente desfavorável ( \Delta H_{\text{mix}}>0), então a mistura não ocorre a baixas temperaturas, mas a contribuição entrópica -T\Delta S_{\text{mix}} cresce com T e, acima da temperatura consoluta \sim 65,8^\circ\mathrm{C}, vence o custo entálpico, tornando \Delta G_{\text{mix}}<0 e a mistura homogênea. Em termos práticos: aquecendo, quebra-se a estrutura ordenada da água e aumenta-se a desordem do sistema, favorecendo a solubilidade do fenol. Força aí — essa é a razão física e termodinâmica que esperam em prova!

Resposta

A miscibilidade aumenta com a temperatura porque a condição de miscibilidade é \Delta G_{\text{mix}}=\Delta H_{\text{mix}}-T\Delta S_{\text{mix}}<0; para água–fenol \Delta H_{\text{mix}}>0 (mistura endoterma) de modo que a mistura é desfavorecida a baixas T, mas ao aumentar T o termo entrópico -T\Delta S_{\text{mix}} torna-se suficientemente grande para superar \Delta H_{\text{mix}}, tornando \Delta G_{\text{mix}}<0 e produzindo miscibilidade completa acima da temperatura consoluta \sim 65{,}8^\circ\mathrm{C}.

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