Norberto Bobbio afirma que o Estado de Direito, em sentido forte, implica não apenas a legalidade formal, mas também a constitucionalização dos direitos fundamentais. Explique essa distinção entre legalidade formal e substancial, avaliando os desafios que ela impõe ao constitucionalismo contemporâneo.
Passo 1
O enunciado nos coloca perante a distinção que Norberto Bobbio faz entre Estado de Direito em sentido fraco (ou legalidade formal) e Estado de Direito em sentido forte (ou legalidade substancial), exigindo também a “constitucionalização dos direitos fundamentais”. Aqui o conteúdo da matéria é a teoria do Estado de Direito e seus desdobramentos no constitucionalismo contemporâneo. Vamos definir cada conceito e, em seguida, discutir os desafios que essa distinção impõe hoje.
Passo 2
Legalidade formal significa que todo o exercício do poder deve obedecer a normas previamente estabelecidas, aprovadas segundo procedimento regular e publicadas de modo a permitir o controle da legalidade pelos cidadãos e pelos órgãos competentes. Esse modelo valoriza a segurança jurídica, a clareza das regras e a separação rígida das funções (legislativo, executivo e judiciário), mas não avalia o conteúdo moral ou social das leis.
Passo 3
Legalidade substancial (ou material) exige, além do procedimento regular, que o conteúdo das normas seja compatível com princípios éticos e direitos fundamentais. Em vez de se ater apenas à forma, esse nível de Estado de Direito impõe limites ao legislador: leis não podem violar direitos básicos (liberdade, igualdade, dignidade), sob pena de serem declaradas inconstitucionais. A constitucionalização dos direitos fundamentais é o processo de elevar esses direitos ao patamar de cláusulas pétreas, tornando-os parâmetros de validade de todo o ordenamento.
Passo 4
Para Bobbio, o Estado de Direito em sentido forte combina a segurança jurídica da legalidade formal com a justiça material da legalidade substancial. Isso significa que os tribunais não apenas verificam se as leis foram corretamente editadas, mas também se elas respeitam o núcleo essencial dos direitos fundamentais. A Constituição, assim, deixa de ser mera carta de procedimentos e se converte em documento que impõe conteúdo mínimo ético-político a todo o sistema.
Passo 5
No constitucionalismo contemporâneo, essa tensão entre forma e substância gera vários desafios:
- Judicialização da política – juízes passam a decidir sobre matérias sensíveis, o que pode colidir com a legitimidade majoritária do legislativo.
- Concretização de direitos sociais – cargos, orçamentos e políticas públicas são necessários para efetivar direitos, mas exigem coordenação entre poderes e discricionariedade técnica.
- Pluralismo de princípios – como hierarquizar direitos conflitantes (liberdade religiosa versus igualdade de gênero, por exemplo)?
- Globalização do direito – normas internacionais de direitos humanos pressionam sistemas internos, suscitando debates sobre soberania e uniformidade.
Passo 6
Para conciliar legalidade formal e substancial é preciso um diálogo institucional permanente: o legislativo formula leis respeitando limites materiais, o executivo implementa políticas e o judiciário qualifica e adapta normas à luz dos direitos. Além disso, é necessário investir em cultura constitucional, capacitando operadores do direito e a sociedade a entenderem que a proteção de direitos não enfraquece, mas legitima, o regime democrático.
Resposta
O Estado de Direito em sentido fraco garante a obediência a procedimentos e formas legais, enquanto em sentido forte exige também que o conteúdo das leis respeite direitos fundamentais universalmente reconhecidos. Essa constitucionalização impõe ao constitucionalismo contemporâneo o desafio de articular legitimidade democrática, eficácia das políticas públicas e controle judicial de conteúdo, exigindo diálogo institucional, formação cidadã e critérios claros de ponderação entre direitos em conflito.