Na titulação iodométrica do hipoclorito de sódio com tiossulfato de sódio partese do KI e não de uma solução padrão de iodo. Explique com base nas reações que acontecem até o ponto de viragem.

Passo 1

O enunciado pede que eu explique por que, na titulação iodométrica do hipoclorito de sódio (NaOCl) com tiossulfato de sódio, parte-se de iodeto de potássio (KI) em vez de usar diretamente uma solução padrão de iodo. Devo explicar isso com base nas reações que ocorrem desde a adição do KI até o ponto de viragem da titulação.
Informações relevantes dadas ou implícitas: \mathrm{NaOCl} contém o ânion \mathrm{ClO^-}; usa‑se \mathrm{KI} e depois titula‑se com \mathrm{Na_2S_2O_3} (tiossulfato, cujo ânion é \mathrm{S_2O_3^{2-}}); existe um “ponto de viragem” detectado com indicador (amido). A tarefa é seguir as reações e explicar por que começar com \mathrm{KI} é a escolha correta.

Passo 2

Primeira reação importante: o hipoclorito oxida iodeto a iodo em meio ácido. Escrevemos e balanceamos a reação redox. A equação global mais usada é
\mathrm{ClO^- + 2\,I^- + 2\,H^+ \longrightarrow I_2 + Cl^- + H_2O.}
Explanação didática:
  • Aqui \mathrm{I^-} (estado de oxidação -1) é oxidado a \mathrm{I_2} (estado 0): cada \mathrm{I^-} perde um elétron; dois \mathrm{I^-} juntos fornecem os dois elétrons necessários.
  • \mathrm{Cl} no \mathrm{ClO^-} tem estado de oxidação +1 e é reduzido a \mathrm{Cl^-} (estado -1), ganhando dois elétrons.
  • Para balancear carga e átomos aparece \mathrm{H^+} (meio levemente ácido). Essa equação mostra que um mol de \mathrm{ClO^-} consome dois mols de \mathrm{I^-} para gerar um mol de \mathrm{I_2}.

Passo 3

Formação do triiodeto (estabilização do iodo em presença de excesso de iodeto). Em presença de excesso de \mathrm{I^-} o iodo molecular se complexa:
\mathrm{I_2 + I^- \rightleftharpoons I_3^-}.
Explanação:
  • \mathrm{I_3^-} (triiodeto) é solúvel e estabiliza o iodo na solução; a cor típica é castanho‑amarelada (dependendo da concentração).
  • Esse equilíbrio é útil experimentalmente porque evita perda de iodo por volatilização e mantém o iodo “preso” na solução até ser titulado. Por isso adiciona‑se excesso controlado de \mathrm{KI}.

Passo 4

Reação de titulação: o tiossulfato reduz o iodo de volta a iodeto. A equação da titulação é
\mathrm{I_2 + 2\,S_2O_3^{2-} \longrightarrow 2\,I^- + S_4O_6^{2-}}.
Explanação didática:
  • Cada molécula de \mathrm{I_2} aceita dois elétrons (um por íon I), e cada ânion \mathrm{S_2O_3^{2-}} doa um elétron efetivo no conjunto, por isso são necessários dois ânions \mathrm{S_2O_3^{2-}} por \mathrm{I_2}.
  • O produto \mathrm{S_4O_6^{2-}} é tetrationato, que é estável na solução.
  • Em termos práticos: a quantidade de \mathrm{S_2O_3^{2-}} gasta dá a quantidade de \mathrm{I_2} formada, e essa \mathrm{I_2} veio diretamente do \mathrm{ClO^-}.

Passo 5

Relacionando as duas etapas (produção de iodo e titulação do iodo) obtemos a estequiometria global. Cancela‑se \mathrm{I_2} e \mathrm{I^-} intermediários: combinar as equações dos Passos 2 e 4 dá a equação global
\mathrm{ClO^- + 2\,S_2O_3^{2-} + 2\,H^+ \longrightarrow Cl^- + S_4O_6^{2-} + H_2O.}
Explanação e consequência estequiométrica:
  • Da equação global vê‑se que cada mol de \mathrm{ClO^-} consome exatamente dois mols de \mathrm{S_2O_3^{2-}}.
  • Logo, para calcular a concentração de \mathrm{NaOCl} a partir do volume e concentração de \mathrm{Na_2S_2O_3} usado, usa‑se a relação
n_{\mathrm{ClO^-}}=\tfrac{1}{2}\,n_{\mathrm{S_2O_3^{2-}}}.

Passo 6

Ponto de viragem e indicador: papel do amido. Procedimento prático e físico‑químico do ponto de viragem:
  • Enquanto houver \mathrm{I_2} (ou \mathrm{I_3^-}) na solução forma‑se um complexo azul‑preto com amido. Esse é o sinal visível.
  • Durante a titulação, o tiossulfato reduz gradualmente o iodo: a cor vai clareando. Perto do fim adiciona‑se amido (ou adiciona‑se só no final para evitar complexos muito estáveis).
  • O ponto final é a desaparecimento súbito da cor azul‑preto (quando todo o iodo foi reduzido a \mathrm{I^-}); esse é o sinal que a reação global foi completada.

Passo 7

Por que usar \mathrm{KI} em vez de uma solução padrão de \mathrm{I_2}? Resumo dos motivos químicos e práticos:
  1. Geração in situ e estequiometria garantida: adicionar \mathrm{KI} faz com que o agente oxidante ( \mathrm{ClO^-}) gere exatamente uma quantidade de \mathrm{I_2} proporcional ao seu próprio teor, segundo a equação do Passo 2. Assim a quantidade de iodo formada reflete diretamente a quantidade de hipoclorito na amostra.
  2. Estabilidade e volatilidade do iodo: \mathrm{I_2} puro é mais volátil e pode perder‑se por evaporação; preparar e padronizar uma solução de \mathrm{I_2} é mais trabalhoso e menos robusto. Gerar \mathrm{I_2} no frasco, em presença de excesso de \mathrm{I^-} (formando \mathrm{I_3^-}), estabiliza o iodo na solução.
  3. Evitar reações secundárias e perdas: se se tentasse adicionar \mathrm{I_2} padrão a uma solução com \mathrm{ClO^-}, poderiam ocorrer reações complexas (p.ex. oxidação adicional a iodatos, dependente do pH), ou dificuldades na medição imediata. Ao partir de \mathrm{I^-} em excesso, o sistema promove uma geração controlada e quantitativa de iodo.
  4. Praticidade analítica: usar \mathrm{KI} permite controlar o meio (leve acidificação, excesso de \mathrm{I^-}), estabilizar o iodo como \mathrm{I_3^-} e ter um ponto final muito nítido com amido — tudo isso torna a titulação mais precisa e reprodutível em rotinas de laboratório.

Passo 8

Recapitulando, passo a passo prático (para você lembrar na prova/na bancada):
  • Adiciona‑se \mathrm{KI} à amostra contendo \mathrm{ClO^-} e acidifica‑se levemente; \mathrm{ClO^-} oxida \mathrm{I^-} a \mathrm{I_2} (Passo 2).
  • O \mathrm{I_2} pode aparecer como \mathrm{I_3^-} em presença de excesso de \mathrm{I^-} (Passo 3), mantendo‑o em solução.
  • Titula‑se com \mathrm{Na_2S_2O_3}; o tiossulfato reduz o \mathrm{I_2} de volta a \mathrm{I^-} (Passo 4).
  • O ponto final é a perda da cor azul do complexo \mathrm{I_2}–amido (Passo 6).
  • Estequiometria útil para cálculos: \mathrm{1\\ ClO^-} corresponde a \mathrm{2\\ S_2O_3^{2-}} (Passo 5).

Resposta

Porque o \mathrm{ClO^-} oxida quantitativamente o \mathrm{I^-} do \mathrm{KI} a \mathrm{I_2} (equação \mathrm{ClO^- + 2I^- + 2H^+ \to I_2 + Cl^- + H_2O}), o iodo formado é então reduzido pelo tiossulfato ( \mathrm{I_2 + 2S_2O_3^{2-} \to 2I^- + S_4O_6^{2-}}); assim cada mol de \mathrm{ClO^-} consome dois mols de \mathrm{S_2O_3^{2-}}. Usar \mathrm{KI} gera \mathrm{I_2} in situ de forma estequiométrica e estável (formando \mathrm{I_3^-} em excesso de \mathrm{I^-}), evitando volatilização, reações secundárias e a necessidade de uma solução padrão de iodo instável; o ponto final é observado pela perda do complexo azul \mathrm{I_2}–amido.

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