Considere a decomposição térmica de peróxidos de metais do Grupo 2:
\mathrm{MO}_{2}(\mathrm{~s}) \rightarrow \mathrm{MO}(\mathrm{~s})+1 / 2 \mathrm{O}_{2}(\mathrm{~g})
a) Construa um ciclo de entalpia para a reação genérica acima que permita analisar a estabilidade térmica dos peróxidos
b) Úsando os dados abaixo diga qual dos peróxidos \mathrm{MgO}_{2} ou \mathrm{BaO}_{2} apresenta a menor Temperatura de decomposição. Justifique sua resposta
\mathrm{r}\left(\mathrm{Mg}^{2+}\right)=72 \mathrm{pm}
\mathrm{r}\left(\mathrm{Ba}^{2+}\right)=135 \mathrm{pm}
\mathrm{r}\left(\mathrm{O}_{2}^{2-}\right)=180 \mathrm{pm}
\mathrm{r}\left(\mathrm{O}^{2-}\right)=140 \mathrm{pm}
\Delta_{\mathrm{DEC}} \mathrm{H}^{\circ}\left(\mathrm{O}_{2}{ }^{2-}, \mathrm{g}\right)=+845 \mathrm{kJmol}^{-1}
\mathrm{r}= raio ; \mathrm{DEC}= decomposição

Passo 1

O que o enunciado pede:
  • (a) Construir um ciclo de entalpia para a reação genérica \mathrm{MO}_{2}(\mathrm{s}) \rightarrow \mathrm{MO}(\mathrm{s})+\tfrac{1}{2}\mathrm{O}_{2}(\mathrm{g})que permita analisar a estabilidade térmica dos peróxidos.
  • (b) Usando os dados fornecidos, decidir qual peróxido — \mathrm{MgO}_{2} ou \mathrm{BaO}_{2} — apresenta a menor temperatura de decomposição e justificar.
Dados fornecidos (vou listá‑los exatamente como no enunciado):
\begin{aligned} &r\big(\mathrm{Mg}^{2+}\big)=72\\ \mathrm{pm}\\\ &r\big(\mathrm{Ba}^{2+}\big)=135\\ \mathrm{pm}\\\ &r\big(\mathrm{O}_{2}^{2-}\big)=180\\ \mathrm{pm}\\\ &r\big(\mathrm{O}^{2-}\big)=140\\ \mathrm{pm}\\\ &\Delta_{\mathrm{DEC}}H^{\circ}\big(\mathrm{O}_{2}^{2-},\mathrm{g}\big)=+845\\ \mathrm{kJ\;mol^{-1}} \end{aligned}
Observações do enunciado que eu vou usar:
  • O valor \Delta_{\mathrm{DEC}}H^{\circ}\big(\mathrm{O}_{2}^{2-},\mathrm{g}\big)=+845\\ \mathrm{kJ/mol} é a entalpia necessária para transformar \mathrm{O}_{2}^{2-}(\mathrm{g}) em \mathrm{O}^{2-}(\mathrm{g})+\tfrac{1}{2}\mathrm{O}_{2}(\mathrm{g}).
  • Não há outras informações termodinâmicas fornecidas; usarei um modelo iônico qualitativo (energia de reticulado dependente do tamanho iônico) para comparar os compostos.

Passo 2

Construção do ciclo de entalpia (passo a passo explicado como se fosse um desenho de Hess).
  1. Escrevo a reação alvo:
\mathrm{MO}_{2}(\mathrm{s}) \rightarrow \mathrm{MO}(\mathrm{s})+\tfrac{1}{2}\mathrm{O}_{2}(\mathrm{g}).
  1. Faço uma “quebra” hipotética em termos de íons gasosos para montar o ciclo (essas etapas são fictícias, só servem para aplicar o princípio de Hess):
  • Quebrar o sólido \mathrm{MO}_{2}(\mathrm{s}) em íons gasosos:
    \mathrm{MO}_{2}(\mathrm{s}) \rightarrow \mathrm{M}^{2+}(\mathrm{g}) + \mathrm{O}_{2}^{2-}(\mathrm{g})
    a entalpia desta etapa é a oposta da energia de reticulado do peróxido; chamarei esta entalpia de -U_{\mathrm{perox}} (positivo, pois quebrar o retículo absorve energia).
  • Decompor o ânion peróxido gasoso no ânion óxido gasoso mais oxigénio:
    \mathrm{O}_{2}^{2-}(\mathrm{g}) \rightarrow \mathrm{O}^{2-}(\mathrm{g}) + \tfrac{1}{2}\mathrm{O}_{2}(\mathrm{g})
    cuja entalpia é dada no enunciado:
    \Delta H = +845\\ \mathrm{kJ\;mol^{-1}}.
  • Formar \mathrm{MO}(\mathrm{s}) a partir de íons gasosos:
    \mathrm{M}^{2+}(\mathrm{g}) + \mathrm{O}^{2-}(\mathrm{g}) \rightarrow \mathrm{MO}(\mathrm{s})
    cuja entalpia é a energia de reticulado do óxido; chamarei de U_{\mathrm{ox}} (esta quantidade é negativa quando definida como entalpia de formação a partir de íons gasosos, ou seja, libera energia).
  1. Somando as três etapas (Hess) obtemos a entalpia de decomposição desejada:
\Delta H_{\mathrm{dec}} = \big(-U_{\mathrm{perox}}\big) + \big(+845\big) + \big(U_{\mathrm{ox}}\big).
Rearranjando:
\boxed{\Delta H_{\mathrm{dec}} = 845 + \big(U_{\mathrm{ox}} - U_{\mathrm{perox}}\big)\\ \\ (\text{kJ mol}^{-1})}
Explicação dos sinais e termos:
  • U_{\mathrm{ox}} é (por convenção aqui) a entalpia associada a \mathrm{M}^{2+}(\mathrm{g})+\mathrm{O}^{2-}(\mathrm{g})\rightarrow\mathrm{MO}(\mathrm{s}). É um número negativo grande (energia liberada ao formar o sólido).
  • U_{\mathrm{perox}} é a entalpia associada a \mathrm{M}^{2+}(\mathrm{g})+\mathrm{O}_{2}^{2-}(\mathrm{g})\rightarrow\mathrm{MO}_{2}(\mathrm{s}). Também é negativo, mas seu valor absoluto depende da distância iônica (r_++r_-).
  • A diferença U_{\mathrm{ox}}-U_{\mathrm{perox}} indica quanto o retículo do óxido é mais estabilizante (mais exergônico) que o retículo do peróxido. Se essa diferença for muito negativa (isto é, |U_{\mathrm{ox}}| \gg |U_{\mathrm{perox}}|), a soma diminui \Delta H_{\mathrm{dec}}.

Passo 3

Como estimar U_{\mathrm{ox}} e U_{\mathrm{perox}} qualitativamente a partir dos raios iônicos (modelo coulômbico / Born‑Landé simplificado).
  1. No modelo coulômbico simplificado a componente dominante da energia de reticulado é proporcional a
U \propto -\frac{z_+ z_-}{r_+ + r_-},
onde:
  • z_+ e z_- são as cargas dos íons (aqui z_+=+2 para \mathrm{M}^{2+} e z_-=-2 tanto para \mathrm{O}^{2-} quanto para \mathrm{O}_{2}^{2-});
  • r_+ e r_- são os raios iônicos (em pm). O sinal negativo indica que a formação do retículo libera energia (é exotérmica).
  1. Como |z_+ z_-| é igual para óxido e peróxido (ambos têm produto de cargas +2\times -2=-4), a diferença entre U_{\mathrm{ox}} e U_{\mathrm{perox}} depende basicamente das somas dos raios:
U_{\mathrm{ox}} - U_{\mathrm{perox}} \propto -\left(\frac{1}{r_+ + r(\mathrm{O}^{2-})}-\frac{1}{r_+ + r(\mathrm{O}_{2}^{2-})}\right).
Note que \frac{1}{r_+ + r(\mathrm{O}^{2-})} > \frac{1}{r_+ + r(\mathrm{O}_{2}^{2-})} porque r(\mathrm{O}^{2-})=140\\ \mathrm{pm}<r(\mathrm{O}_{2}^{2-})=180\\ \mathrm{pm}. Assim o parêntese é positivo, e com o sinal negativo à frente temos U_{\mathrm{ox}}-U_{\mathrm{perox}}<0. Ou seja: o retículo do óxido é sempre mais estabilizante (mais exergônico) do que o do peróxido, mas a magnitude dessa diferença depende do tamanho do cátion r_+.
  1. Agora comparo quantitativamente, em termos relativos, para \mathrm{Mg}^{2+} e \mathrm{Ba}^{2+}. Calculo as somas de raios e as diferenças de recíprocos — não preciso da constante de proporcionalidade para comparar, porque a constante é a mesma para ambos os cátions.
Para \mathrm{Mg}^{2+} ( r_+=72\\ \mathrm{pm}):
\begin{aligned} r_+ + r(\mathrm{O}^{2-}) &= 72 + 140 = 212\\ \mathrm{pm},\\\ r_+ + r(\mathrm{O}_{2}^{2-}) &= 72 + 180 = 252\\ \mathrm{pm},\\\ \frac{1}{212} - \frac{1}{252} &= \frac{252-212}{212\cdot 252} = \frac{40}{53\,424}\approx 0{,}000749\\ \mathrm{pm^{-1}}. \end{aligned}
Para \mathrm{Ba}^{2+} ( r_+=135\\ \mathrm{pm}):
\begin{aligned} r_+ + r(\mathrm{O}^{2-}) &= 135 + 140 = 275\\ \mathrm{pm},\\\ r_+ + r(\mathrm{O}_{2}^{2-}) &= 135 + 180 = 315\\ \mathrm{pm},\\\ \frac{1}{275} - \frac{1}{315} &= \frac{315-275}{275\cdot 315} = \frac{40}{86\,625}\approx 0{,}000462\\ \mathrm{pm^{-1}}. \end{aligned}
  1. Interpretação desses números:
  • A diferença de recíprocos (que é proporcional a |U_{\mathrm{ox}}|-|U_{\mathrm{perox}}|) é maior para \mathrm{Mg}^{2+} (aprox. 7{,}49\times10^{-4}) do que para \mathrm{Ba}^{2+} (aprox. 4{,}62\times10^{-4}).
  • Portanto a quantidade subtraída em \Delta H_{\mathrm{dec}} = 845 + (U_{\mathrm{ox}}-U_{\mathrm{perox}}) é numericamente maior (mais negativa) para \mathrm{Mg} do que para \mathrm{Ba}. Em linguagem direta: a formação do óxido em relação ao peróxido é muito mais estabilizante quando o cátion é pequeno (Mg) do que quando o cátion é grande (Ba).

Passo 4

Conseqüência para a temperatura de decomposição e conclusão prática.
  1. Do passo 2 temos:
\Delta H_{\mathrm{dec}} = 845 + \big(U_{\mathrm{ox}} - U_{\mathrm{perox}}\big).
Do passo 3 vimos que U_{\mathrm{ox}}-U_{\mathrm{perox}} é negativo para os dois sais, e é mais negativo para \mathrm{Mg} do que para \mathrm{Ba}. Logo
\Delta H_{\mathrm{dec}}(\mathrm{MgO}_{2}) < \Delta H_{\mathrm{dec}}(\mathrm{BaO}_{2}).
  1. Relação com temperatura de decomposição: a decomposição térmica acontece quando \Delta G=\Delta H - T\Delta S =0. O produto gasoso é sempre \tfrac{1}{2}\mathrm{O}_2 nas duas reações, portanto é razoável assumir que \Delta S (por mol de peróxido) é parecida entre \mathrm{MgO}_{2} e \mathrm{BaO}_{2}. Assim, se \Delta H_{\mathrm{dec}} é menor (ou menos endotérmico) para um composto, a temperatura T necessária para tornar \Delta G=0 será menor. Em termos práticos: menor \Delta H_{\mathrm{dec}} → menor T_{\mathrm{dec}} (assumindo entropias comparáveis).
  2. Portanto, como \Delta H_{\mathrm{dec}} é menor para \mathrm{MgO}_{2} do que para \mathrm{BaO}_{2}, concluímos que:
  • \mathrm{MgO}_{2} tem a menor temperatura de decomposição (é menos estável termicamente).
  • \mathrm{BaO}_{2} é mais estável termicamente (precisa de temperatura maior para decompor).
  1. Explicação química intuitiva (resumida e didática):
  • Cátions pequenos ( \mathrm{Mg}^{2+}) criam um retículo muito estável com ânions pequenos ( \mathrm{O}^{2-}) — isto favorece a formação do óxido relativamente ao peróxido. Como a formação do óxido é muito estabilizante para Mg, o peróxido \mathrm{MgO}_{2} tende a decompor mais facilmente em \mathrm{MgO} + \tfrac{1}{2}\mathrm{O}_2.
  • Cátions grandes ( \mathrm{Ba}^{2+}) “encaixam” relativamente melhor com o ânion peróxido grande ( \mathrm{O}_2^{2-}), reduzindo a diferença de estabilização entre óxido e peróxido, logo \mathrm{BaO}_{2} é mais resistente à decomposição.

Resposta

\mathrm{MgO}_{2} apresenta a menor temperatura de decomposição.

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