As constantes de formação de dois complexos de níquel, a partir do íon metálico e dos ligantes, são dadas a seguir:
Cloreto de trans-tetraaminodiaquaníquel(II),
\mathrm{K}_{1}=1,0 \times 10^{8}
Cloreto de trans- diaquabis(etilenodiamino)níquel(II),
\mathrm{K}_{2}=4,0 \times 10^{14}
A- Explique por que \mathrm{K}_{1}<\mathrm{K}_{2}.

Passo 1

O enunciado dá duas constantes de formação de complexos de níquel(II):
K_1 = 1{,}0\times10^{8}
para o cloreto de trans-tetraaminodiaquaníquel(II) e
K_2 = 4{,}0\times10^{14}
para o cloreto de trans-diaquabis(etilenodiamino)níquel(II).
A pergunta é: explique por que \,K_1 < K_2.
Informações relevantes dadas:
K_1=1{,}0\times10^{8},\qquad K_2=4{,}0\times10^{14}.
Não há mais dados numéricos no enunciado; a explicação deve justificar por que o segundo complexo é muito mais estável (maior K) que o primeiro.

Passo 2

O que significa a constante de formação K e como ela se relaciona com a estabilidade do complexo.
Explanação didática:
K=\text{constante de equilíbrio da reação de formação do complexo},íçãçã
ou seja, uma expressão genérica
K=\frac{[\text{complexo}]}{[\text{metal}]\,[\text{ligante}]^{n}},
onde os colchetes indicam concentrações em equilíbrio e n é a estequiometria em ligantes. Uma constante K grande significa que, em equilíbrio, a concentração do complexo é muito maior do que a do metal livre e dos ligantes livres — portanto o complexo é mais estável.
Relação termodinâmica importante (para ter uma base física, muito útil na prova):
\Delta G^\circ = -RT\ln K,
onde R é a constante dos gases, T a temperatura absoluta e \Delta G^\circ a energia livre padrão de formação. Assim:
  • maior K \Rightarrow \ln K maior \Rightarrow \Delta G^\circ mais negativo \Rightarrow formação do complexo é mais favorável termodinamicamente.

Passo 3

Identificar a diferença química entre os dois complexos (isto é chave para a explicação).
Observações sobre os ligantes (explicadas sem jargão):
  • No complexo 1 (tetraamino + diaqua) os ligantes amina (vamos chamar genericamente de NH_3 ou ligante monodentado) ocupam quatro sites; cada ligante doa um par de elétrons ao Ni(II). Esses ligantes são monodentados (cada um prende o metal por um único átomo doador).
  • No complexo 2 o ligante é o etilenodiamino (abreviado en), que é bidentado: cada molécula de en tem dois átomos doadores (duas nitrogênios) que se ligam simultaneamente ao mesmo metal, formando anéis (chelato) com o metal.
Definição essencial que vou usar várias vezes (explica com calma):
  • “Denticidade” é quantos pontos de ligação um ligante tem ao metal. Monodentado = 1 ponto; bidentado = 2 pontos.
  • “Efeito quelante” (chelate effect) é o fato observado experimentalmente de que ligantes multidentados (como en) formam complexos muito mais estáveis que ligantes monodentados análogos (como NH_3), tudo o mais constante.

Passo 4

Explicação termodinâmica qualitativa do efeito quelante (por que en K maior).
Usando a relação \Delta G^\circ = \Delta H^\circ - T\Delta S^\circ e \Delta G^\circ = -RT\ln K, a diferença de K entre os dois complexos pode vir de diferenças em \Delta H^\circ (entalpia) ou \Delta S^\circ (entropia).
A explicação clássica, simples e robusta:
  • Quando um ligante bidentado como en se liga ao metal, ele “substitui” simultaneamente dois ligantes monodentados livres. Se compararmos o processo de formar o complexo a partir de espécies separadas, a combinação com ligantes bidentados leva a uma menor perda de número de partículas livres (ou, dito de outra forma, libera mais partículas livres para o ambiente) do que a combinação com o mesmo número de ligantes monodentados. Isso resulta em um aumento da entropia (ou em uma perda de entropia menor) no processo de formação do complexo com ligantes quelantes.
  • Como o termo -T\Delta S^\circ entra na \Delta G^\circ, um \Delta S^\circ mais favorável (mais positivo ou menos negativo) torna \Delta G^\circ mais negativo e, portanto, K muito maior.
Exemplo ilustrativo e simplificado (contagem de partículas):
Considere reações simplificadas (sem escrever água explicitamente) partindo de \mathrm{Ni^{2+}} e ligantes livres:
\text{(monodentado)}\qquad \mathrm{Ni^{2+}} + 4\,\mathrm{L} \rightleftharpoons [\mathrm{NiL}_4]^{2+}.
Aqui, no lado dos reagentes: 1+4=5 partículas; no produto: 1 partícula. Queda de 4 partículas livres.
\text{(bidentado)}\qquad \mathrm{Ni^{2+}} + 2\,\mathrm{en} \rightleftharpoons [\mathrm{Ni(en)}_2]^{2+}.
Aqui, no lado dos reagentes: 1+2=3 partículas; no produto: 1 partícula. Queda de 2 partículas.
A perda de partículas livres é menor no caso do ligante bidentado, logo a entropia é menos desfavorável — isto favorece muito a formação do complexo quelado.
Além disso, há uma contribuição entálpica benéfica:
  • O ligante bidentado forma dois enlaces coordenados “vizinhos” que muitas vezes interagem de forma cooperativa; os anéis quelatos (normalmente de 5 ou 6 membros) são geometricamente favoráveis e geram enlaces que, coletivamente, tendem a ser mais difíceis de quebrar que quatro enlaces independentes com ligantes monodentados. Então parte da diferença pode também ser energética (mais negativa \Delta H^\circ).

Passo 5

Cálculo numérico rápido para ver a grandeza da diferença (ajuda a entender o quanto o efeito é forte).
Usando
\Delta G^\circ = -RT\ln K,
vamos avaliar aproximadamente \Delta G^\circ para K_1 e K_2 a 25^\circ\mathrm{C} ( T=298\\ \mathrm{K}). Valores e passos:
R=8{,}314\\ \mathrm{J\,mol^{-1}K^{-1}},\qquad RT = 8{,}314\times298 \approx 2\,478{,}5\\ \mathrm{J\,mol^{-1}}.
Para K_1=1{,}0\times10^{8}:
\ln K_1 = \ln(1{,}0\times10^{8}) = 8\ln 10 \approx 8\times2{,}3026 = 18{,}4208,
\Delta G_1^\circ = -RT\ln K_1 \approx -2\,478{,}5\times18{,}4208 \approx -45\,600\\ \mathrm{J\,mol^{-1}} \approx -45{,}6\\ \mathrm{kJ\,mol^{-1}}.
Para K_2=4{,}0\times10^{14}:
\ln K_2 = \ln 4 + 14\ln 10 \approx 1{,}3863 + 14\times2{,}3026 = 33{,}6225,
\Delta G_2^\circ = -RT\ln K_2 \approx -2\,478{,}5\times33{,}6225 \approx -83\,380\\ \mathrm{J\,mol^{-1}} \approx -83{,}4\\ \mathrm{kJ\,mol^{-1}}.
Diferença:
\Delta G_2^\circ - \Delta G_1^\circ \approx -83{,}4 - (-45{,}6) = -37{,}8\\ \mathrm{kJ\,mol^{-1}}.
Ou seja, a formação do complexo com en é cerca de 38\\ \mathrm{kJ\,mol^{-1}} mais favorável — uma diferença grande, compatível com o efeito quelante forte.

Passo 6

Resumindo e conectando tudo (a resposta que você precisa decorar para a prova, explicada passo a passo e num tom simples).
  • K_2 é muito maior que K_1 porque o ligante etilenodiamino ( en) é bidentado e forma quelatos (anel de coordenação) com o níquel, enquanto as aminas em K_1 são monodentadas.
  • O efeito quelante aumenta a estabilidade por razões termodinâmicas:
    • entropia: a formação do complexo com ligantes bidentados implica numa perda de partículas livres menor do que com muitos ligantes monodentados — isto torna \Delta S^\circ mais favorável e, portanto, \Delta G^\circ mais negativo;
    • entalpia: anéis quelatos (especialmente de 5 membros, como os formados por en) costumam dar enlaces cooperativos e geometricamente favoráveis, reduzindo a tendência de dissociação.
  • A evidência numérica (diferença de \Delta G^\circ calculada a 25^\circ\mathrm{C}) mostra que a formação com en é muito mais favorável (diferença ~ 38\\ \mathrm{kJ\,mol^{-1}}), o que explica por que \,K_1<K_2.

Resposta

Porque o ligante etilenodiamino ( en) é bidentado e forma quelatos com o níquel: o “efeito quelante” torna a formação do complexo mais favorável termodinamicamente (menos perda de entropia e frequentemente entalpia mais favorável), resultando em \,K_2 muito maior que \,K_1.

Exercícios relacionados