Na eletrólise de soluções aquosas, as reações de eletrodo dependem do potencial e do pH . Escreva as reações de redução da água na presença e ausência de \mathrm{O}_{2} dissolvido. E explique por que a eletrólise da água pura é dificultada sem a adição de eletrólitos.

Passo 1

O que o enunciado pede:
  • Escrever as reações de redução (meio catódico) da água quando não há \mathrm{O}_2 dissolvido e quando há \mathrm{O}_2 dissolvido.
  • Explicar por que a eletrólise da água pura é dificultada sem adição de eletrólitos.
Informações relevantes fornecidas / que vamos usar:
  • As reações de eletrodo dependem do pH (ou seja, da concentração de \mathrm{H}^+ ou \mathrm{OH}^-).
  • A presença de \mathrm{O}_2 oferece outra espécie que pode ser reduzida (competição com evolução de \mathrm{H}_2).
  • Vamos usar potenciais padrão e a dependência com pH (fórmula de Nernst) para comparar qual reação é termodinamicamente mais favorecida em cada caso.

Passo 2

Reações de redução na ausência de \mathrm{O}_2 (catodo — evolução de hidrogênio). Explanação didática rápida antes das equações:
  • Em solução ácida o elétron “reduz” íons \mathrm{H}^+ para formar \mathrm{H}_2.
  • Em meio neutro/álcalino a redução envolve água como doadora de prótons, gerando \mathrm{OH}^-.
  • Para relacionar potencial com pH usamos a equação de Nernst para as semi-reações. A forma geral é
E = E^\circ - \frac{RT}{nF}\ln Q,
onde E é o potencial em condições reais, E^\circ é o potencial padrão, R é a constante dos gases, T a temperatura, n o número de elétrons transferidos e F a constante de Faraday. A 25 °C e usando base 10, a constante \frac{RT}{F}\ln 10 é aproximadamente 0,0591 V, o que nos dá fórmulas simples envolvendo pH quando há \mathrm{H}^+ na reação.
Agora as semi-reações e seus potenciais relevantes:
  • Em meio ácido (redução do íon \mathrm{H}^+):
\text{(ácido)}\qquad 2\mathrm{H}^+ + 2\mathrm{e}^- \longrightarrow \mathrm{H}_2á
e o potencial depende do pH segundo
E_{\mathrm{H}^+/\mathrm{H}_2} = 0,000\;{\rm V} - 0,0591\cdot\mathrm{pH}.
(Nota: em pH 0 esse potencial padrão é 0,000 V por definição do eletrodo padrão de hidrogênio.)
  • Em meio neutro/álcalino (redução da água):
\text{(neutro/álcalino)}\qquad 2\mathrm{H}_2\mathrm{O} + 2\mathrm{e}^- \longrightarrow \mathrm{H}_2 + 2\mathrm{OH}^-,á
com potencial padrão referenciável a \mathrm{SHE} aproximado de
E^\circ \approx -0,827\;{\rm V},
e que, convertendo pela relação com pH (mesma origem do caso ácido), corresponde ao potencial prático de evolução de \mathrm{H}_2 em meios básicos (por exemplo, em pH 14 -0,827 V e, em pH 7, o potencial efetivo é -0,0591\cdot 7 \approx -0,414 V).

Passo 3

Reações de redução na presença de \mathrm{O}_2 (competição no catodo). Explanação didática:
  • \mathrm{O}_2 dissolvido pode ser reduzido por 4 elétrons até água ( \mathrm{H}_2\mathrm{O}) ou por 2 elétrons até peróxido ( \mathrm{H}_2\mathrm{O}_2). Essas reações têm potenciais mais positivos que a evolução de \mathrm{H}_2 em muitos pH, então podem ocorrer preferentemente (roubam elétrons que poderiam gerar \mathrm{H}_2).
Meio ácido (4 elétrons):
\mathrm{O}_2 + 4\mathrm{H}^+ + 4\mathrm{e}^- \longrightarrow 2\mathrm{H}_2\mathrm{O},
com potencial padrão
E^\circ = 1,229\;{\rm V}
(na temperatura padrão). A dependência com pH, derivada da Nernst, é
E_{\mathrm{O}_2/\mathrm{H}_2\mathrm{O}} = 1,229\;{\rm V} - 0,0591\cdot\mathrm{pH}.
Meio alcalino (forma equivalente com \mathrm{OH}^-):
\mathrm{O}_2 + 2\mathrm{H}_2\mathrm{O} + 4\mathrm{e}^- \longrightarrow 4\mathrm{OH}^-,
que tem o mesmo comportamento quando traduzimos para a escala de pH (em pH 14 o potencial padrão corresponde a cerca de 0,401\;{\rm V}).
Reação de 2 elétrons (formação de peróxido, que às vezes aparece):
\mathrm{O}_2 + 2\mathrm{H}^+ + 2\mathrm{e}^- \longrightarrow \mathrm{H}_2\mathrm{O}_2
(ou a forma correspondente em básico). Essa via tem potencial intermediário e cinética própria; pode aparecer como produto intermediário.

Passo 4

Comparação prática (pH 7 como exemplo numérico) — vou calcular os potenciais para ver qual reação é termodinamicamente mais favorável:
  • Potencial para redução do par \mathrm{H}^+/\mathrm{H}_2 a 25^\circC e pH 7:
E_{\mathrm{H}_2} = 0,000 - 0,0591\cdot 7 = -0,4137\;{\rm V}.
  • Potencial para redução do par \mathrm{O}_2/\mathrm{H}_2\mathrm{O} a pH 7:
E_{\mathrm{O}_2} = 1,229 - 0,0591\cdot 7 = 0,8157\;{\rm V}.
Interpretação: como E_{\mathrm{O}_2} é muito mais positivo que E_{\mathrm{H}_2}, reduzir \mathrm{O}_2 demanda um potencial catódico muito menos negativo (é termodinamicamente mais favorável) do que reduzir água para \mathrm{H}_2. Portanto, se \mathrm{O}_2 estiver presente na solução, os elétrons fornecidos pelo circuito tendem a reduzir \mathrm{O}_2 em vez de formar \mathrm{H}_2, pelo menos em uma faixa de potenciais. Resultado prático: menor produção de \mathrm{H}_2 e perda de eficiência.

Passo 5

Por que a eletrólise da água pura é dificultada sem eletrólitos — explicação didática e passo a passo:
  1. Transportadores de carga (íons) em água pura: a água se autoioniza pouco,
\mathrm{H}_2\mathrm{O} \rightleftharpoons \mathrm{H}^+ + \mathrm{OH}^-,
com concentrações em equilíbrio a 25^\circC de
[\mathrm{H}^+] = [\mathrm{OH}^-] = 10^{-7}\;{\rm mol\;L^{-1}}.
Isso quer dizer que há pouquíssimos portadores de carga livres comparado a uma solução eletrolítica típica (por exemplo, 1\;{\rm mol\;L^{-1}} de \mathrm{Na}^+ tem concentração 10^{7} vezes maior).
  1. Condutividade elétrica muito baixa: corrente elétrica em solução é transportada por íons. Com concentrações da ordem de 10^{-7} M a condutividade é extremamente baixa, assim a resistência interna da célula é muito alta. Pela lei de Ohm aplicada à célula,
I = \frac{V}{R},
onde R cresce muito quando a condutividade diminui, logo para uma tensão aplicada razoável o corrente I será quase nula. Na prática isso significa que, sem eletrólito, mal passa corrente e quase não há produção de gás.
  1. Queda de tensão óhmica (IR drop): uma grande parte da tensão que você aplica é gasta para vencer a resistência do meio ( V_{\text{aplicada}} = \Delta E_{\text{eletroquímica}} + I\cdot Rí). Com R enorme, a tensão necessária para obter corrente útil seria impraticavelmente alta.
  2. Cinética de eletrodos e sobretensões: mesmo se houvesse íons, as reações de evolução de \mathrm{H}_2 e \mathrm{O}_2 têm barreiras cinéticas (precisam de catalisadores como Pt para HER, ou óxidos nobres para OER). Em água pura sem catalisadores apropriados as sobretensões exigidas são grandes, aumentando ainda mais a tensão necessária.
  3. Efeitos práticos adicionais: formação de bolhas na superfície do eletrodo reduz área ativa; impurezas pequenas às vezes permitem alguma corrente (por isso água “pura” na prática já conduz algo); se for adicionada sal (ex.: \mathrm{NaCl}) podem surgir reações indesejadas (ex.: evolução de \mathrm{Cl}_2 no anodo), por isso normalmente usa-se \mathrm{H}_2\mathrm{SO}_4 diluída ou \mathrm{KOH} para aumentar condutividade sem produtos gasosos indesejados.

Passo 6

Resumo-prático para a prova (o que decorar / aplicar rapidamente):
  • Se não há \mathrm{O}_2: escrever a semi-reação de redução dependendo do pH:
\text{ácido:}\quad 2\mathrm{H}^+ + 2\mathrm{e}^- \longrightarrow \mathrm{H}_2,á
\text{básico:}\quad 2\mathrm{H}_2\mathrm{O} + 2\mathrm{e}^- \longrightarrow \mathrm{H}_2 + 2\mathrm{OH}^-.á
  • Se há \mathrm{O}_2: incluir a redução do oxigênio que compete:
\mathrm{O}_2 + 4\mathrm{H}^+ + 4\mathrm{e}^- \longrightarrow 2\mathrm{H}_2\mathrm{O} \quad\text{o (ou)}\quad \mathrm{O}_2 + 2\mathrm{H}_2\mathrm{O} + 4\mathrm{e}^- \longrightarrow 4\mathrm{OH}^-.
  • Lembre-se da dependência com pH usando a forma reduzida da Nernst, e do raciocínio: quanto mais positivo o potencial de redução de uma espécie, mais fácil (termodinâmicamente) é reduzi-la; por isso \mathrm{O}_2 pode “roubar” elétrons e dificultar produção de \mathrm{H}_2.
  • Para a eletrólise em laboratório: adicionar eletrólito (ácido fraco, base forte, ou sal que não seja oxidável no anodo) para aumentar a condutividade e diminuir a resistência interna; use eletrodos catalíticos para reduzir sobretensão.

Resposta

Em ausência de \mathrm{O}_2: \;2\mathrm{H}^+ + 2\mathrm{e}^- \longrightarrow \mathrm{H}_2 (meio ácido) \
Em ausência de \mathrm{O}_2: \;2\mathrm{H}_2\mathrm{O} + 2\mathrm{e}^- \longrightarrow \mathrm{H}_2 + 2\mathrm{OH}^- (meio neutro/ básico) \
Em presença de \mathrm{O}_2: \;\mathrm{O}_2 + 4\mathrm{H}^+ + 4\mathrm{e}^- \longrightarrow 2\mathrm{H}_2\mathrm{O} (via 4 e ^-) \
Em presença de \mathrm{O}_2 (alternativa 2 e ^-): \;\mathrm{O}_2 + 2\mathrm{H}^+ + 2\mathrm{e}^- \longrightarrow \mathrm{H}_2\mathrm{O}_2 \
Por que a eletrólise da água pura é dificultada: porque a água se autoioniza pouco ( [\mathrm{H}^+]=[\mathrm{OH}^-]=10^{-7}\;{\rm M}), logo há pouquíssimos portadores de carga e a condutividade elétrica é muito baixa, causando resistência interna muito alta e corrente quase nula; além disso as reações de eletrodo têm sobretensões (cinética lenta) e, se houver \mathrm{O}_2 dissolvido, a redução do oxigênio compete com a formação de \mathrm{H}_2.

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