Quais as etapas mais significativas do ciclo de Born-Haber para explicar a formação do \mathrm{Ca}_{3} \mathrm{~N}_{2} ?

Passo 1

O que o enunciado pede: listar e explicar as etapas mais significativas do ciclo de Born–Haber que justificam a formação do composto \mathrm{Ca}_3\mathrm{N}_2 a partir dos seus elementos nas condições-padrão.
Informações dadas / que precisamos assumir: a reação global que queremos explicar é
3\,\mathrm{Ca}(s) + \mathrm{N}_2(g) \longrightarrow \mathrm{Ca}_3\mathrm{N}_2(s).
A partir disso devemos identificar todos os passos termodinâmicos relevantes (com suas razões físicas e a estequiometria correta) que, somados por Hess, dão a entalpia de formação do sólido iônico.

Passo 2

Visão geral do ciclo de Born–Haber (resumo das etapas que vamos detalhar):
  1. sublimação dos átomos de cálcio;
  2. dissociação da molécula \mathrm{N}_2 em átomos de nitrogênio;
  3. ionização de \mathrm{Ca}(g) para formar \mathrm{Ca}^{2+}(g) (remoção de 2 elétrons por átomo de Ca);
  4. adição de elétrons aos átomos de nitrogênio para formar \mathrm{N}^{3-}(g) (soma das afinidades eletrônicas necessárias);
  5. formação do sólido a partir dos íons gasosos (energia reticular ou lattice energy).
    Vou agora explicar cada etapa com calma, por que ela aparece e como tratá‑la na prova.

Passo 3

Etapa: sublimação do cálcio sólido para átomos gasosos. Conceito e por que aparece.
  • Definição: sublimação é a passagem de \mathrm{Ca}(s) para \mathrm{Ca}(g). O termo termodinâmico é a entalpia de sublimação, denotada \Delta H_{\text{sub}}(\mathrm{Ca}). É sempre endotérmico (consome energia) porque quebramos interações no metal.
  • Estequiometria: precisamos de 3 átomos de cálcio por fórmula de \mathrm{Ca}_3\mathrm{N}_2, então o termo é 3\Delta H_{\text{sub}}(\mathrm{Ca}).
  • Como usar na prova: busque o valor em tabelas (unidade comum: kJ mol ^{-1}). Se te pedirem demonstrar o ciclo, escreva a equação associada:
3\,\mathrm{Ca}(s)\xrightarrow{3\Delta H_{\text{sub}}}\;3\,\mathrm{Ca}(g).
Explicação didática: pense que estamos “levantando” os átomos do sólido para que eles possam ser ionizados, por isso esse passo é necessário.

Passo 4

Etapa: dissociação da molécula \mathrm{N}_2(g) em átomos de nitrogênio gasosos. Conceito e por que aparece.
  • Definição: energia de dissociação (ou atomização) de \mathrm{N}_2 é a energia necessária para quebrar a ligação tripla e formar 2 átomos \mathrm{N}(g). Denotamos \Delta H_{\text{diss}}(\mathrm{N}_2). Esse valor é endotérmico e grande (ligação N≡N é forte).
  • Estequiometria: a reação usa uma molécula \mathrm{N}_2 que se transforma em 2 átomos N, e precisamos desses 2 átomos para formar \mathrm{Ca}_3\mathrm{N}_2. Logo o termo é \Delta H_{\text{diss}}(\mathrm{N}_2) (uma vez). Escreve-se:
\mathrm{N}_2(g)\xrightarrow{\Delta H_{\text{diss}}}\;2\,\mathrm{N}(g).
  • Como usar: pegue a energia de dissociação de \mathrm{N}_2 em tabelas; não confunda com energia de ligação por átomo (algumas tabelas dão por mol de ligações).

Passo 5

Etapa: ionização do cálcio gasoso para \mathrm{Ca}^{2+}(g). Conceito, motivos e estequiometria.
  • O que é ionização: é a remoção de elétrons de um átomo gasoso. A primeira energia de ionização ( \mathrm{IE}_1) é a energia para \mathrm{Ca}(g)\to\mathrm{Ca}^+(g)+e^-. A segunda ( \mathrm{IE}_2) é para \mathrm{Ca}^+(g)\to\mathrm{Ca}^{2+}(g)+e^-. Ambas são endotérmicas.
  • Por que duas ionizações? No sólido \mathrm{Ca}_3\mathrm{N}_2 o cálcio está no estado \mathrm{Ca}^{2+}, então cada átomo de Ca perde dois elétrons.
  • Estequiometria: são 3 átomos de Ca no formulário, então o termo total de ionização é
3\big(\mathrm{IE}_1(\mathrm{Ca})+\mathrm{IE}_2(\mathrm{Ca})\big).
  • Dica prática: nunca esqueça de multiplicar pela quantidade de átomos que perdem elétrons; em provas isso é causa de erro comum.

Passo 6

Etapa: afinidades eletrônicas do nitrogênio para formar \mathrm{N}^{3-}(g). Conceito, sinais e peculiaridades.
  • O que é afinidade eletrônica (EA): a energia envolvida quando um átomo gasoso recebe um elétron. A primeira afinidade eletrônica \mathrm{EA}_1 corresponde a \mathrm{N}(g)+e^-\to\mathrm{N}^-(g) (geralmente exotérmica, libera energia). A segunda ( \mathrm{EA}_2) e a terceira ( \mathrm{EA}_3) correspondem a adicionar o 2.º e 3.º elétrons; frequentemente esses passos são endotérmicos porque é difícil adicionar elétrons a um íon negativo já existente (repulsão elétrica).
  • Necessidade de três eletronegatividades: cada nitrogênio precisa ganhar 3 elétrons para formar \mathrm{N}^{3-}. Para a fórmula temos 2 átomos de N, então totalizamos 6 elétrons. O termo energético associado é
2\big(\mathrm{EA}_1(\mathrm{N})+\mathrm{EA}_2(\mathrm{N})+\mathrm{EA}_3(\mathrm{N})\big).
  • Observação importante: em valores de tabela \mathrm{EA}_1 é negativa (libera energia se você usar sinal algébrico para ΔH), \mathrm{EA}_2 e \mathrm{EA}_3 costumam ser positivas (custam energia). Na soma global do ciclo isso aparece; o grande valor exergônico da energia reticular compensa esses custos.
  • Como tratar em prova: verifique o sinal nas tabelas (algumas listam “afinidade” como valor positivo igual à energia liberada — cuidado com convenções). Explique explicitamente que você soma as três afinidades por átomo e multiplica por 2 (porque há 2 N por fórmula).

Passo 7

Etapa: formação do sólido iônico — energia reticular (lattice energy). O que é e como estimar.
  • Definição física: energia reticular é a energia liberada quando íons gasosos \mathrm{Ca}^{2+}(g) e \mathrm{N}^{3-}(g) se juntam para formar o retículo cristalino \mathrm{Ca}_3\mathrm{N}_2(s). É o termo fortemente exotérmico que estabiliza o produto. Denotamos U_{\text{lattice}} (valor negativo quando usado como ΔH porque é energia liberada).
  • Natureza do termo: depende das cargas dos íons ( |z_+|=2, |z_-|=3), do raio iônico efetivo e da estrutura do cristal (fator de Madelung). Com cargas maiores, U_{\text{lattice}} é muito mais exergônico.
  • Estimativas/ fórmulas: em provas pode aparecer pedido para estimar U. Há duas abordagens comuns:
    • experimentalmente: U pode ser obtido rearranjando o ciclo de Born–Haber se você conhece a entalpia de formação e os demais termos;
    • teoricamente: usar a fórmula de Born–Landé: U = -\frac{N_A M z_+ z_- e^2}{4\pi\varepsilon_0 r_0}\Big(1-\frac{1}{n}\Big),onde \;N_A é o número de Avogadro, M é o fator de Madelung (depende da geometria do retículo), z_+ e z_- são as cargas inteiras dos íons, e é a carga do elétron, \varepsilon_0 é a permissividade do vácuo, r_0 é a distância entre centros iônicos e n é o expoente de repulsão de Born (parâmetro empírico).
  • Como usar na prova: muitas questões te dão U, ou te dão \Delta H_f e pedem U (ou vice‑versa). Mostre claramente se U é um termo liberado (coloque sinal negativo ao somar se você mantiver o padrão ΔH).

Passo 8

Montagem final pelo princípio de Hess: escrever a soma algébrica das contribuições.
  • A partir dos passos anteriores, a entalpia padrão de formação \Delta H_f^\circ\big(\mathrm{Ca}_3\mathrm{N}_2\big) é obtida somando todos os termos (atenção aos sinais e à estequiometria). Em forma simbólica:
\Delta H_f^\circ\big(\mathrm{Ca}_3\mathrm{N}_2\big)= 3\Delta H_{\text{sub}}(\mathrm{Ca}) +\Delta H_{\text{diss}}(\mathrm{N}_2) +3\big(\mathrm{IE}_1(\mathrm{Ca})+\mathrm{IE}_2(\mathrm{Ca})\big) +2\big(\mathrm{EA}_1(\mathrm{N})+\mathrm{EA}_2(\mathrm{N})+\mathrm{EA}_3(\mathrm{N})\big) +U_{\text{lattice}}.
  • Observações sobre sinais: \Delta H_{\text{sub}} e \Delta H_{\text{diss}} e \mathrm{IE} são numericamente positivos (endotérmicos) e aparecem com sinal positivo; \mathrm{EA}_1 costuma ser negativo (libera energia) enquanto \mathrm{EA}_2,\mathrm{EA}_3 frequentemente são positivos; U_{\text{lattice}} é grande e negativo (libera energia). Na soma algébrica os sinais devem ser consistentes com as tabelas usadas.
  • Como justificar conceitualmente: a soma das etapas leva dos elementos livres até o composto formado; por isso pela lei de Hess a soma dá a entalpia de formação.

Passo 9

Dicas práticas de prova e erros comuns (como aplicar rápido e sem calculadora conceitualmente).
  • Cheque sempre a estequiometria: multiplicar por 3 para \mathrm{Ca}, por 2 para os átomos de \mathrm{N}.
  • Atenção aos sinais das afinidades eletrônicas nas tabelas (algumas tabelas dão valores positivos para “energia liberada” em EA, outras dão valores algébricos). Escreva explicitamente “libera” ou “consome”.
  • Se pedirem apenas as etapas, explique brevemente por que cada etapa existe (ex.: “ionizações aparecem porque Ca forma \mathrm{Ca}^{2+}”; “dissociação do \mathrm{N}_2 aparece porque precisamos de átomos N”). Examinadores gostam de ver justificativa física.
  • Se for preciso calcular U_{\text{lattice}} a partir de \Delta H_f, isole U_{\text{lattice}} na equação do Passo 8. Isso é um exercício típico: reordene os termos e resolva para U.
  • Lembre-se: a grande contribuição estabilizadora do composto iônico é a energia reticular; isso explica por que mesmo que algumas etapas (como \mathrm{EA}_2, \mathrm{EA}_3) sejam desfavoráveis, o composto ainda é estável.

Passo 10

Resumo final passo a passo (curto) que você pode escrever na prova — sequência operacional clara:
  1. escrever a reação global \;3\mathrm{Ca}(s)+\mathrm{N}_2(g)\to\mathrm{Ca}_3\mathrm{N}_2(s);
  2. sublimar 3 Ca: 3\Delta H_{\text{sub}}(\mathrm{Ca});
  3. dissociar \mathrm{N}_2: \Delta H_{\text{diss}}(\mathrm{N}_2);
  4. ionizar 3 Ca até \mathrm{Ca}^{2+}: 3(\mathrm{IE}_1+\mathrm{IE}_2);
  5. adicionar 3 e ^- a cada N (2 N no total): 2(\mathrm{EA}_1+\mathrm{EA}_2+\mathrm{EA}_3);
  6. formar o retículo: U_{\text{lattice}};
  7. somar tudo por Hess para chegar a \Delta H_f^\circ.
    Se precisar calcular numericamente, busque os valores em tabelas e cuide das unidades (kJ mol ^{-1}).

Resposta

  1. Sublimação: 3\Delta H_{\text{sub}}(\mathrm{Ca}).
  2. Dissociação: \Delta H_{\text{diss}}(\mathrm{N}_2) para formar 2\,\mathrm{N}(g).
  3. Ionizações do cálcio: 3\big(\mathrm{IE}_1(\mathrm{Ca})+\mathrm{IE}_2(\mathrm{Ca})\big) (formar 3\,\mathrm{Ca}^{2+}(g)).
  4. Afinidades eletrônicas do nitrogênio: 2\big(\mathrm{EA}_1(\mathrm{N})+\mathrm{EA}_2(\mathrm{N})+\mathrm{EA}_3(\mathrm{N})\big) (formar 2\,\mathrm{N}^{3-}(g)).
  5. Energia reticular (lattice energy) U_{\text{lattice}} ao formar \mathrm{Ca}_3\mathrm{N}_2(s).
  6. Soma por Hess:
\Delta H_f^\circ(\mathrm{Ca}_3\mathrm{N}_2)=3\Delta H_{\text{sub}}(\mathrm{Ca})+\Delta H_{\text{diss}}(\mathrm{N}_2)+3(\mathrm{IE}_1+\mathrm{IE}_2)+2(\mathrm{EA}_1+\mathrm{EA}_2+\mathrm{EA}_3)+U_{\text{lattice}}.

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