Esquematize um ciclo de Born-Haber para a formação de um composto iônico MCl. Defina os termos empregados e mostre como estes podem ser determinados ou calculados. Como esses valores de entalpia variam ao longo da tabela periódica? Use essa tendência para prever as diferenças entre as propriedades do NaCl e do CuCl .
Passo 1
O que o enunciado pede e que informações vamos trabalhar:
- Pedem que eu esquematize um ciclo de Born–Haber para a formação do sal iônico
, defina os termos usados, mostre como esses termos são determinados ou calculados e explique como esses valores variam na tabela periódica. Finalmente, usar essa tendência para prever diferenças entre as propriedades de e . - Informação implícita: estamos tratando da formação do sólido iônico
a partir dos elementos puros no estado padrão: . - Saídas esperadas: (i) ciclo de Born–Haber com todos os termos; (ii) definições e formas de obter/estimar cada termo; (iii) regras de variação pela tabela periódica; (iv) aplicação comparativa a
e com cálculo ilustrativo e previsão de propriedades físicas.
Passo 2
O que é um ciclo de Born–Haber e qual a sequência de passos para
- Ideia central: usar a Lei de Hess para decompor a formação do sólido iônico em etapas simples cujo somatório dá a entalpia padrão de formação
. - Sequência típica de passos (cada passo é uma entalpia, com sinais conforme o processo):
- Sublimação do metal:
— entalpia de sublimação . - Dissociação do cloro:
— entalpia (metade da energia de ligação ). - Ionização do metal:
— energia de ionização . - Adição de elétron ao cloro:
— afinidade eletrônica (valor negativo se processo libera energia). - Formação do retículo iônico (lattice):
— energia reticular (geralmente grande e negativa).
- Sublimação do metal:
- A soma termo a termo (Lei de Hess) dá:
- Reescrevendo para obter
:
Passo 3
Definição detalhada de cada termo e como é medido/calculado (ensino passo a passo)
-
: entalpia de sublimação do metal (sólido → gás). O que significa: energia necessária para levar um mol de átomos do metal do sólido para o gás. Como determinar: - Experimentalmente por calorimetria de vaporização em altas temperaturas ou por medir pressões de vapor e usar termodinâmica.
- Ordem de grandeza: metais alcalinos têm
relativamente pequena; metais de transição tendem a ter maior (ligações metálicas mais fortes).
-
: metade da energia de dissociação da molécula de cloro. O que significa: energia necessária para quebrar o e gerar 2 átomos; usamos metade porque só precisamos de um átomo de cloro por fórmula . - Determinação: espectroscopia molecular e calorimetria. Valor conhecido para
: ≈ , então .
- Determinação: espectroscopia molecular e calorimetria. Valor conhecido para
-
: primeira energia de ionização do metal. O que significa: energia para remover o primeiro elétron de e formar . - Determinação: medidas de espectroscopia de elétrons em fase gasosa; tabelas de dados. Varia muito ao longo da tabela (aumenta ao atravessar um período).
-
: afinidade eletrônica do cloro, para . - Observação importante sobre sinal: afinidade eletrônica costuma ser expressa como valor negativo se o processo libera energia. Para o cloro
. - Determinação: experimentos em fase gasosa com detecção de partículas e espectroscopia.
- Observação importante sobre sinal: afinidade eletrônica costuma ser expressa como valor negativo se o processo libera energia. Para o cloro
-
: energia reticular (enthalpia reticular padrão) — energia liberada quando íons gasosos se organizam para formar 1 mol do sólido cristalino iônico. - Natureza: grande e negativa para sais iônicos; depende de cargas e distâncias interiônicas e da geometria do retículo.
- Como obter:
- Indiretamente via ciclo de Born–Haber (se todos os outros termos e
são conhecidos, é obtida por rearranjo). - Teoricamente através da equação de Born–Landé ou aproximação de Kapustinskii (veja passo seguinte).
- Indiretamente via ciclo de Born–Haber (se todos os outros termos e
- Importante: se o composto tem caráter covalente (polarização significativa), o modelo puramente iônico superestima/complica
.
Passo 4
Fórmulas para estimar a energia reticular: Born–Landé e Kapustinskii (explicação e variáveis)
- Born–Landé (modelo eletrostático clássico):
Explanação das variáveis:
-
: número de Avogadro ( ). -
: constante de Madelung (depende da geometria do retículo; para estrutura tipo NaCl ). -
e : cargas dos íons (em unidades de carga elementar, para temos , ). -
: carga elementar ( ). -
: permissividade do vácuo. -
: distância entre centros de íons (soma dos raios iônicos ). -
: expoente de Born (relacionado à repulsão de sobreposição eletrônica; valores típicos –12). - Kapustinskii (fórmula empírica útil quando faltam detalhes do retículo):
onde
e
são constantes empíricas escolhidas para dar resultado em
, e
e
estão em picômetros. A vantagem: precisa só de raios iônicos e cargas; desvantagem: é aproximada.
- Uso prático: para sais simples com íons bem definidos, Born–Landé/Kapustinskii dão boa estimativa do módulo de
. Para íons polarizantes (ex.: ) o modelo ideal iônico falha parcialmente porque há contribuição covalente.
Passo 5
Sinais e convenção prática — atenção ao lidar com os termos
- Atenção ao sinal de
: como processo é exotérmico, é negativo; por isso, na soma de termos o reduz o custo global. - Exemplo de montagem algébrica já mostrado:
- Interpretação física: se
for muito negativo, o sólido é fortemente estabilizado por interação iônica; se os custos de vaporizar e ionizar forem muito grandes, a formação pode ser menos favorável.
Passo 6
Como cada termo varia ao longo da tabela periódica (regras práticas e intuição)
-
(energia de ionização): - Aumenta ao atravessar um período (da esquerda para a direita) — átomos menores prendem elétrons com mais força.
- Diminui ao descer uma família (de cima para baixo) — elétrons mais afastados do núcleo.
- Metais alcalinos (Na, K, etc.) têm
baixos; metais de transição e metais pós‑transição tendem a ter maiores.
-
(entalpia de sublimação): - Geralmente aumenta para metais com ligações metálicas mais fortes (metais de transição > alcalinos).
- Portanto, metais de transição custam mais em energia para formar átomos gasosos.
-
(afinidade eletrônica do anião, aqui ): - Halogênios têm
fortemente negativa (alto ganho de energia ao ganhar elétron); varia ao atravessar o período. - Para
usamos o valor conhecido, que é uma propriedade do ânion, não do metal.
- Halogênios têm
-
(energia reticular): - Torna‑se mais negativa (mais exotérmica) quando as cargas
e aumentam em magnitude (ex.: versus ). - Para íons com cargas iguais,
aumenta quando o raio dos íons diminui (menor distância interiônica aumenta atração coulombiana). - Resumindo: iões pequenos e com altas cargas → muito grande
.
- Torna‑se mais negativa (mais exotérmica) quando as cargas
- Consequência combinada: para sais
com pequeno e fortemente polarizante (como ), espera‑se grande energia reticular por raio pequeno, mas também custos grandes de sublimação e ionização se for um metal de transição.
Passo 7
Aplicação prática: comparar
e
com valores experimentais aproximados (mostrar contas passo a passo)
- Vamos usar valores experimentais aproximados (todos em
): - Para
: -
(experimental) . -
. -
. -
. -
.
-
- Para
(composto com ): -
(experimental) . -
. -
(mesmo cloro). -
. -
.
-
- Para
- Cálculo da energia reticular por rearranjo do ciclo (passo a passo, primeiro
): - Usando a fórmula
substituo valores: Faço as somas em ordem:
Logo
(coincide bem com valores tabelados
).
- Agora para
: Somando:
Logo
(valor maior em módulo que o de
, refletindo maior atração coulombiana esperada por
ser menor que
).
- Interpretação energética:
-
tem mais negativo (mais estabilização iônica por unidade) do que porque é um cátion menor que , levando a distância iônica menor e atração coulombiana maior. - Porém,
custa muito mais para sublimar e ionizar ( e grandes), então o balanço final de é muito menos exergônico (menos negativo) que o de : vs . - Conclusão energética: apesar de
maior (mais negativa) para , os grandes custos gasosos para chegar em tornam a formação do sólido menos favorecida termodinamicamente que .
-
Passo 8
Ligando as energias às propriedades físicas — previsão qualitativa de diferenças
vs
- O que esperar de propriedades a partir dos termos:
- Energia reticular muito negativa tende a aumentar ponto de fusão e dureza e diminuir volatilidade; porém, se houver forte polarização (cátion pequeno e muito polarizante), aparece caráter covalente, que altera a solubilidade, a cor, a condutividade e o ponto de fusão.
- Aplicando aos dois sais:
-
: - Caráter fortemente iônico (Na+ relativamente grande e pouco polarizante).
- Alto ponto de fusão (
), boa solubilidade em água, cristal salino com alto grau de dissociação iônica; condutor quando fundido ou em solução. - Formação muito exergônica (
grande e negativa ).
-
: -
é menor e mais polarizante que ; interação com tem contribuição covalente significativa. - Apesar de
estimado ser mais negativo (maior atração coulombiana), o alto custo para gerar (sublimação e ionização) reduz a exergonia da formação. Observação experimental compatível: tem menos negativo ( ), ponto de fusão mais baixo que (cerca de ), e solubilidade em água muito menor. - Predito comportamento:
exibirá mais caráter covalente/ligação direcional, menor solubilidade em água, menor condutividade em solução simples (não se dissocia tão prontamente como ), e propriedades físicas diferentes (p. ex. menor ponto de fusão) devido à structure/ligação parcialmente covalente e fatores de coordenação de .
-
-
- Resumindo qualitativo:
— iônico típico, mais estável termodinamicamente ao formar; — mistura de comportamento iônico e covalente, formação menos exotérmica, diferente solubilidade e ponto de fusão.
Passo 9
Observações finais, dicas de prova e como fazer rápido na hora
- Para resolver rápido numa prova:
- Decore o ciclo básico e a expressão que isola
. - Tenha em mente sinais (EA negativo), e as ordens de grandeza típicas:
e de metais de transição são grandes; halogênios têm EA fortemente negativa; . - Se pedirem estimar
sem dados experimentais, use Kapustinskii com raios iônicos aproximados. - Para prever propriedades, compare principalmente: (i) cargas dos íons, (ii) tamanhos iônicos (raios), (iii) magnitude de
e do metal — isso dá a intuição imediata.
- Decore o ciclo básico e a expressão que isola
- Incentivo: eu sei que decorar números e fórmulas é chato, mas decorar o roteiro do ciclo (sublimação → dissociação halógeno → ionização → afinidade eletrônica → formação do retículo) e como rearranjar para
resolve a maior parte das questões de prova. Dá pra fazer as contas rápidas como no passo 7 sem calculadora se você organizar somas em blocos como fiz.
Resposta
Previsão qualitativa: