QUESTÃO 6(1,0) - Compare a teoria cinética dos gases com as ideias gregas expressas pelo poeta romano Lucrécio, cerca do ano 60 aC.
“Se pensais que os átomos podem parar e, pela sua paragem, gerar novos movimentos em coisas, estais completamente afastados do caminho da verdade. Uma vez que os átomos se movem livremente do vazio, todos devem conservar-se em movimento, quer pelo seu próprio peso, quer, ocasionalmente, pelo choque com outro átomo. Pode acontecer muitas vezes que dois deles se encontrem e saltem imediatamente em sentidos opostos, como consequência natural da sua rigidez e solidez e da ausência de algo que os pare. Daqui resulta que nenhum repouso é consentido entre os átomos nos seus percursos pela imensidão do espaço. Animados de um movimento incessante e variável, alguns se afastam bastante após uma colisão, ao passo que outros recuam apenas um pouco. São estes átomos que recuam pouco, que se movem mantendo uma forte união, no enredo das suas formas abraçadas, que constituem as rochas enraizadas e que dão azo à firmeza obstinada do aço. Os outros, os que se movem livremente em grandes espaços, afastando-se muito em cada choque, são os que constituem o ar e a luz resplandecente do Sol. Além destes, há muitos outros átomos em grandes quantidades no espaço vazio que foram expelidos de corpos compostos e cujos movimentos não recuperam a harmonia.”

Passo 1

O enunciado pede uma comparação entre a teoria cinética dos gases, tal como formulada nos séculos XVIII–XIX, e as ideias atomistas expressas por Lucrécio em torno de 60 aC. Para isso precisamos:
– Destacar os pilares da teoria cinética moderna (movimento incessante das moléculas, colisões elásticas, relação entre energia cinética e temperatura, explicação de pressão e leis dos gases).
– Resumir as concepções de Lucrécio sobre átomos (movimento constante no vazio, choques, formação de agregados).
– Estabelecer semelhanças e diferenças entre esses dois quadros teóricos.

Passo 2

A teoria cinética dos gases considera que um gás é constituído por um enorme número de moléculas em movimento aleatório e contínuo. Postula-se que:
  1. Cada molécula tem massa definida e move-se em linha retilínea até colidir com outra ou com as paredes do recipiente.
  2. Essas colisões são perfeitamente elásticas, conservando energia cinética total.
  3. A pressão do gás resulta do ímpeto transferido às paredes pelas colisões moleculares.
  4. A temperatura é diretamente proporcional à energia cinética média das moléculas.
  5. Há uma distribuição estatística de velocidades (distribuição de Maxwell–Boltzmann), da qual derivam as leis dos gases ideais ( pV = nRT) e argumentos termodinâmicos.

Passo 3

Lucrécio, seguindo a tradição dos atomistas gregos (Leucipo e Demócrito), descreve átomos como partículas indivisíveis e imutáveis que:
– Movem-se incessantemente por um vazio infinito.
– Colidem uns com os outros e “saltam” em direções diferentes sem desaceleração significativa, devido à sua rigidez e à inexistência de meio que os pare.
– Formam aglomerados estáveis quando, após choques com desvio pequeno, ficam “abraçados” e dão origem a corpos sólidos (rochas, metais).
– Outras colisões geram partículas mais afastadas, que ele associa ao ar e à luz.
– Não há repouso absoluto entre os átomos; seu movimento é eterno.

Passo 4

Comparando os dois quadros:
– Semelhança fundamental: ambos atribuem as propriedades macroscópicas (solidez, fluidez, pressão, luz) ao movimento constante de partículas indivisíveis que colidem e se aglomeram.
– Natureza das colisões: Lucrécio vê choques rijos mas não quantifica elasticidade; a teoria moderna exige conservação estrita de energia cinética.
– Aspecto estatístico e termodinâmico: falta em Lucrécio a ideia de distribuição de velocidades e a noção de temperatura como energia média; ele descreve qualitativamente aglomerações e dispersões.
– Formulação matemática: ausente em Lucrécio; a teoria cinética está embasada em leis quantitativas e experimentais (equação de estado, capacidades caloríficas, difusão).
– Conceito de energia: para a teoria moderna a energia cinética das moléculas é bem definida; Lucrécio não concebe energia interna ou termodinâmica propriamente dita.

Resposta

Lucrécio antecipou, de forma surpreendentemente clara e qualitativa, a ideia de que a matéria é composta por átomos em movimento incessante e que suas colisões explicam a formação de sólidos, líquidos, gases e até a luz. No entanto, só a partir dos séculos XVIII–XIX a teoria cinética ganhou fundamentação matemática, estatística e termodinâmica, definindo elasticidade das colisões, distribuição de velocidades, relação pressão–temperatura e conceito preciso de energia cinética média.

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