Por que os sólidos metálicos conduzem eletricidade e os sólidos iônicos não? Explique nos termos das teorias de ligação química.

Passo 1

O que o enunciado pede: explicar, nos termos das teorias de ligação química, por que os sólidos metálicos conduzem eletricidade enquanto os sólidos iônicos não (no estado sólido).
Informações/pressupostos relevantes que vamos usar: (1) estamos falando de sólidos no estado sólido (temperatura ambiente, a menos que eu diga o contrário); (2) conduzir eletricidade significa permitir o movimento ordenado de cargas sob um campo elétrico; (3) vou usar conceitos de ligação metálica, ligação iônica, modelo de elétrons deslocalizados e teoria de bandas.

Passo 2

O que é preciso para que um material conduza eletricidade (conceito central).
  • Condução elétrica requer duas coisas básicas: haver portadores de carga disponíveis e esses portadores terem mobilidade (ou seja, poderem deslocar-se quando aplicamos um campo elétrico).
  • Uma fórmula simples que captura isso é a condutividade elétrica:
\sigma = n e \mu
onde \sigma é a condutividade, n é a densidade de portadores livres (número de portadores por volume), e é a carga elementar (módulo), e \mu é a mobilidade média desses portadores.
  • Conclusão prática: materiais condutores têm grande n e/ou boa \mu; isolantes têm n muito pequeno e/ou \mu muito baixa.

Passo 3

Ligação metálica — modelo qualitativo (por que metais têm muitos portadores).
  • Em um metal (ex.: \text{Na}, \text{Cu}, \text{Al}), os átomos têm elétrons de valência que não ficam presos a um átomo só. Em vez disso existe um “mar” de elétrons deslocalizados que se espalham por todo o cristal. Esse é o modelo de ligação metálica (ou “electron sea”).
  • Em termos quantizados: quando átomos se agrupam formando um cristal, os seus orbitales atômicos se sobrepõem e formam bandas de energia. Para muitos metais a banda que contém os elétrons de valência está parcialmente preenchida, ou a banda de valência e a banda de condução se sobrepõem. Isso significa que existem estados de energia muito próximos disponíveis para que elétrons se movam sob um campo elétrico.
  • Consequência: n (densidade de elétrons livres) é alta — tipicamente da ordem de 10^{28}\\ \text{m}^{-3} — e as mobilidades \mu são razoavelmente altas porque os elétrons são leves e respondem rapidamente ao campo. Por isso metais conduzem bem.

Passo 4

Teoria de bandas — explicação mais formal e relação com condução.
  • Breve sobre bandas: em sólidos cristais formam-se a banda de valência (estados ocupados) e a banda de condução (estados vazios). A capacidade de conduzir depende de como essas bandas estão ocupadas.
  • Três casos úteis:
    1. Metais: banda parcialmente ocupada ou bandas sobrepostas → há estados de energia imediatamente disponíveis para elétrons se moverem → condutor.
    2. Isolantes iônicos: banda de valência totalmente ocupada e banda de condução vazia, separadas por uma grande lacuna de energia \(E_g) → elétrons não conseguem pular para a banda de condução com a energia térmica disponível → isolante.
    3. Semicondutores: lacuna E_g pequena; com excitação térmica ou dopagem geram portadores e então conduzem.
  • Importante: para metais \,E_g \approx 0 (ou bandas sobrepostas); para muitos sólidos iônicos \,E_g é grande (vários eV).

Passo 5

Ligação iônica e por que ela tende a produzir isolamento no estado sólido.
  • Em sólidos iônicos (ex.: \text{NaCl}, \text{MgO}) a ligação é principalmente eletrostática entre cátions e ânions. Os elétrons de valência ficam localizados nos ânions (ou ligados fortemente aos íons) — não há “mar” de elétrons deslocalizados.
  • Em termos de bandas: a banda de valência, formada por estados preenchidos (associados aos ânions), fica bem separada da banda de condução; a lacuna de energia \,E_g é grande. Por exemplo, para \text{NaCl} E_g está na ordem de várias elétron-volts (tipicamente \sim 8\\ \text{eV}).
  • Comparação com energia térmica: a energia térmica disponível à temperatura ambiente é
k_B T \approx 25\\ \text{meV}
onde k_B é a constante de Boltzmann. Como E_g em um sólido iônico é milhares de vezes maior que k_B T, a probabilidade de excitar um elétron da banda de valência para a de condução é praticamente nula:
\exp\!\left(-\frac{E_g}{k_B T}\right)\approx 0.
Logo n (portadores eletrônicos livres) é praticamente zero no estado sólido.

Passo 6

Mobilidade dos portadores e diferença entre elétrons livres e íons.
  • Mesmo que, teoricamente, um íon carregado pudesse se mover sob um campo, em um sólido cristalino os íons estão fixos nas suas posições da rede por fortes forças eletrostáticas e potenciais de rede; a mobilidade iônica \mu_{\text{íon}}í no estado sólido é extremamente baixa.
  • Assim, em sólidos iônicos no estado sólido não existem portadores livres suficientes (elétrons) e os portadores que existem (íons) não conseguem se mover; ambos os fatores tornam \sigma praticamente nula.
  • Quando o sólido iônico é fundido ou dissolvido em água, as ligações da rede são rompidas e os íons ficam livres para se mover; aí a condutividade elétrica é alta porque n de íons móveis aumenta muito e \mu_{\text{íon}}í passa a ser grande o suficiente.

Passo 7

Resumo comparativo em termos das teorias de ligação
  • Metais (ligação metálica / bandas sobrepostas): elétrons deslocalizados, banda parcialmente preenchida → muitos portadores livres ( n grande) e boa mobilidade ( \mu) → condução elétrica.
  • Sólidos iônicos (ligação iônica / bandas separadas): elétrons localizados nos íons, banda de valência cheia e banda de condução vazia separadas por grande \,E_g → praticamente nenhum portador eletrônico ( n ≈ 0) e íons fixos na rede (baixa \mu) → não conduzem no estado sólido.
  • Observação prática: sólidos iônicos conduzem quando fundidos ou em solução (movimento de íons) e certos esclerosos com defeitos ou dopagem podem apresentar condutividades pequenas, mas isso não contradiz a explicação de base.

Passo 8

Exemplos concretos e números para fixar a intuição (pequena aula aplicada)
  • Metal: cobre ( \text{Cu}) tem densidade de elétrons de condução n\sim 8{,}5\times 10^{28}\\ \text{m}^{-3} e condutividade elétrica elevada (da ordem de 10^7\\ \text{S}\,\text{m}^{-1}).
  • Íon sólido: \text{NaCl} tem E_g\sim 8\\ \text{eV}. A probabilidade de gerar elétrons livres à temperatura ambiente é desprezível; por isso \sigma é praticamente zero no estado sólido.
  • Conclusão prática: a diferença essencial é qualitativa e quantitativa — disponibilidade de elétrons livres e mobilidade — e essa diferença é explicada diretamente pelos modelos de ligação (metálica vs iônica) e pela teoria de bandas.

Passo 9

Motivação final e incentivo (um empurrãozinho de amigo)
  • Em resumo: pense no metal como uma pista larga cheia de carros (elétrons) prontos para correr quando abrimos a cancelinha (aplicamos uma tensão); no sólido iônico os carros estão presos em garagens fechadas (elétrons localizados/íons presos) e não há pista livre.
  • Você já tem a ideia principal: se precisas, pratique explicando com suas próprias palavras usando os termos “elétrons deslocalizados”, “banda parcialmente preenchida”, "lacuna de energia E_g" e “íons fixos na rede” — com isso você arrebenta na prova.

Resposta

Sólidos metálicos conduzem porque, pela ligação metálica e pela teoria de bandas, têm elétrons de valência deslocalizados (ou bandas sobrepostas) que formam uma banda de condução parcialmente preenchida, providenciando muitos portadores livres n com boa mobilidade \mu, o que resulta em alta condutividade. Sólidos iônicos não conduzem no estado sólido porque os elétrons estão localizados nos íons, a banda de valência está cheia e a banda de condução fica muito acima (grande lacuna de energia E_g), de modo que não existem portadores eletrônicos livres térmicos e os íons estão presos na rede (mobilidade iônica praticamente nula); por isso a condutividade elétrica no sólido iônico é praticamente zero (apenas conduz quando fundido ou em solução, quando os íons podem se mover).

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