Uma casca esférica metálica de raio a aterrada contém um dipolo elétrico pontual constante exatamente em seu centro, em r=0. O potencial elétrico gerado por esse dipolo é dado por
\mathscr{V}_{p}(\vec{r})=\frac{p \cos \theta}{4 \pi \epsilon_{0} r^{2}}
onde supôs-se que o sentido positivo do eixo z está paralelo e no mesmo sentido que o vetor momento de dipolo \vec{p}. Exceto exatamente em r=0, que é um dos contornos da região, a equação de Laplace é válida no interior (e no exterior) da casca esférica.
(a) Desenhe um esquema do problema, incluindo a orientação do sistema de eixos apropriado. ( 0,5 ponto)
(b) Obtenha o potencial gerado no interior e no exterior da casca esférica em termos de uma expansão em polinômios de Legendre, tomando cuidado ao satisfazer as condições de contorno do problema. Considere que \mathscr{V}(r \rightarrow \infty) \rightarrow 0. (1,0 ponto)
(c) Mostre que o campo elétrico na região dentro da casca esférica vale, em coordenadas esféricas, ( 0,5 ponto)
\overrightarrow{\mathscr{E}}(\vec{r})=\frac{p}{4 \pi \epsilon_{0} r^{3}}\left\{\left(2+\frac{r^{3}}{a^{3}}\right) \cos \theta \hat{\mathbf{r}}+\left(1-\frac{r^{3}}{a^{3}}\right) \operatorname{sen} \theta \hat{\boldsymbol{\theta}}\right\}, \quad r \leqslant a
(d) Determine a densidade superficial de carga induzida na casca esférica, se houver. ( 0,5 ponto)

Passo 1

O enunciado pede o potencial e o campo elétrico gerados por um dipolo pontual colocado exatamente no centro de uma casca esférica metálica de raio a que está aterrada (potencial da casca igual a zero). As partes pedidas são:
  • (a) Fazer um esquema do problema e indicar a orientação dos eixos;
  • (b) Obter o potencial no interior ( r<a) e no exterior ( r>a) da casca por expansão em polinômios de Legendre, impondo as condições de contorno (especialmente \mathscr{V}(r\to\infty)\to0 e \mathscr{V}(r=a)=0);
  • (c) Mostrar que o campo elétrico no interior vale a expressão fornecida;
  • (d) Determinar a densidade superficial de carga induzida na casca.
Informações dadas e condições relevantes:
  • Potencial do dipolo pontual no espaço (para r>0) é
\mathscr{V}_{p}(\vec{r})=\frac{p\cos\theta}{4\pi\epsilon_{0}r^{2}}.
  • A casca é metálica e está aterrada, portanto \mathscr{V}(r=a)=0.
  • Exceto em r=0 (onde está a origem do dipolo), em todo o interior e exterior a equação de Laplace vale.
  • No infinito \mathscr{V}(r\to\infty)\to0.
  • Simetria axial em torno da direção do dipolo (eixo z).

Passo 2

Escolha do método e justificativa (passo didático sobre o que vamos usar)
  • Por simetria azimutal em torno do eixo do dipolo (não há dependência em \varphi) e pela forma angular \cos\theta do potencial do dipolo, a solução do problema pode ser escrita como expansão em polinômios de Legendre P_{\ell}(\cos\theta) (cada termo tem dependência radial do tipo r^{\ell} ou r^{-(\ell+1)}).
  • Em regiões sem cargas (exceto na origem) a equação a obedecer é a equação de Laplace. A solução geral separada em \theta e r com simetria axial é, para cada região,
\mathscr{V}(r,\theta)=\sum_{\ell=0}^{\infty}\left(A_{\ell} r^{\ell}+B_{\ell} r^{-(\ell+1)}\right)P_{\ell}(\cos\theta).
  • Por causa da forma angular do dipolo ( \cos\theta), apenas o termo \ell=1 aparece efetivamente (os demais coeficientes serão nulos por simetria / pela condição angular imposta pela fonte). Assim reduzimos o problema a combinar termos com P_{1}(\cos\theta)=\cos\theta.
  • Condições de regularidade: no interior (próximo a r=0 mas excluindo r=0) não podem aparecer termos r^{-(\ell+1)} com \ell\ge0 que sejam mais singulares que a singularidade já dada pelo dipolo; porém o potencial do dipolo já contém um termo proporcional a r^{-2} (que é \ell=1 no termo B_{1}r^{-(1+1)}). Podemos acrescentar, no interior, um termo regular em r ( A_{1}r\cos\theta) que representa a perturbação harmônica necessária para satisfazer \mathscr{V}(a)=0.
  • No exterior, exigimos decaimento em infinito ( \mathscr{V}\to0), então só podem existir termos do tipo r^{-(\ell+1)}. A condição \mathscr{V}(a)=0 junto com a condição no infinito determinará os coeficientes no exterior.

Passo 3

Montagem das soluções gerais reduzidas por simetria (aplicando a expansão somente em \ell=1)
  • Para \ell=1 temos P_{1}(\cos\theta)=\cos\theta. Escrevo as soluções ansatz para cada região:
Interior ( r<a): soma do potencial do dipolo (já conhecido) mais um termo harmônico regular:
\mathscr{V}_{\text{in}}(r,\theta)=\frac{p\cos\theta}{4\pi\epsilon_{0}r^{2}} + A\, r\cos\theta,
onde A é constante a determinar. Justificativa: o primeiro termo é o potencial do dipolo; o segundo é a solução regular de Laplace com \ell=1 (comportamento r^{1}) que permite ajustar a condição de contorno na superfície r=a.
Exterior ( r>a): geralmente é da forma B\, r^{-2}\cos\theta. Escrevo
\mathscr{V}_{\text{out}}(r,\theta)=B\,\frac{\cos\theta}{r^{2}},
com B constante. A condição \mathscr{V}(r\to\infty)\to0 é satisfeita por esse termo e impede termos crescentes. Nota: o potencial do dipolo por si só também tem a mesma dependência em r^{-2}, então o coeficiente B representará a soma do efeito do dipolo e de eventuais cargas induzidas que se manifestam externamente.

Passo 4

Imposição das condições de contorno em r=a e uso do teorema da unicidade
  • A casca é metálica e aterrada, logo a superfície tem potencial zero:
\mathscr{V}_{\text{in}}(r=a,\theta)=\mathscr{V}_{\text{out}}(r=a,\theta)=0.
  • Substituindo r=a nas expressões:
Para o interior:
\mathscr{V}_{\text{in}}(a,\theta)=\frac{p\cos\theta}{4\pi\epsilon_{0}a^{2}} + A a\cos\theta = 0.
Isto implica (dividindo por \cos\theta, válido para todos os \theta exceto os polos em que a equação ainda vale por continuidade)
\frac{p}{4\pi\epsilon_{0}a^{2}} + A a = 0 \quad\Longrightarrow\quad A=-\frac{p}{4\pi\epsilon_{0}a^{3}}.
Para o exterior:
\mathscr{V}_{\text{out}}(a,\theta)=B\frac{\cos\theta}{a^{2}}=0 \quad\Longrightarrow\quad B=0.
  • Interpretação física com teorema da unicidade: como \mathscr{V} fora da casca satisfaz Laplace com \mathscr{V}=0 em r=a e \mathscr{V}\to0 no infinito, a solução única é \mathscr{V}_{\text{out}}\equiv 0. Ou seja, o dipolo interno não produz campo fora da casca quando ela está aterrada (blindagem completa).

Passo 5

Escrever as expressões finais dos potenciais a partir dos coeficientes encontrados (resultado do item (b))
  • Substituindo A em \mathscr{V}_{\text{in}} obtemos
\mathscr{V}_{\text{in}}(r,\theta)=\frac{p\cos\theta}{4\pi\epsilon_{0}}\left(\frac{1}{r^{2}} - \frac{r}{a^{3}}\right),\qquad r\le a.
  • Para o exterior, como B=0,
\mathscr{V}_{\text{out}}(r,\theta)=0,\qquad r\ge a.

Passo 6

Cálculo do campo elétrico na região interna (passo didático de derivação)
  • O campo é \overrightarrow{\mathscr{E}}=-\nabla \mathscr{V}. Para potenciais com dependência \mathscr{V}(r,\theta)=R(r)\cos\theta as componentes em coordenadas esféricas são:
\mathscr{E}_{r} = -\frac{\partial \mathscr{V}}{\partial r} = -R'(r)\cos\theta,
\mathscr{E}_{\theta} = -\frac{1}{r}\frac{\partial \mathscr{V}}{\partial\theta} = \frac{R(r)}{r}\sin\theta,
com \mathscr{E}_{\varphi}=0. Aqui R(r)=\dfrac{p}{4\pi\epsilon_{0}}\left(\dfrac{1}{r^{2}}-\dfrac{r}{a^{3}}\right).
  • Calcule R'(r):
R'(r)=\frac{p}{4\pi\epsilon_{0}}\left(-\frac{2}{r^{3}}-\frac{1}{a^{3}}\right).
  • Portanto
\mathscr{E}_{r}=-R'(r)\cos\theta=\frac{p}{4\pi\epsilon_{0}}\left(\frac{2}{r^{3}}+\frac{1}{a^{3}}\right)\cos\theta =\frac{p}{4\pi\epsilon_{0}r^{3}}\left(2+\frac{r^{3}}{a^{3}}\right)\cos\theta,
\mathscr{E}_{\theta}=\frac{R(r)}{r}\sin\theta=\frac{p}{4\pi\epsilon_{0}}\left(\frac{1}{r^{3}}-\frac{1}{a^{3}}\right)\sin\theta =\frac{p}{4\pi\epsilon_{0}r^{3}}\left(1-\frac{r^{3}}{a^{3}}\right)\sin\theta.
  • Em forma vetorial:
\overrightarrow{\mathscr{E}}(\vec{r})=\frac{p}{4\pi\epsilon_{0}r^{3}}\left\{\left(2+\frac{r^{3}}{a^{3}}\right)\cos\theta\,\hat{\mathbf{r}}+\left(1-\frac{r^{3}}{a^{3}}\right)\sin\theta\,\hat{\boldsymbol{\theta}}\right\},\qquad r\le a,
que é exatamente a expressão pedida no item (c).

Passo 7

Densidade superficial de carga induzida na casca (item (d))
  • Para uma superfície condutora, a densidade superficial de carga \sigma está relacionada ao salto da componente normal do campo elétrico:
\sigma = \epsilon_{0}\left(E_{\text{out},n}-E_{\text{in},n}\right).
Aqui E_{\text{out},n} é a componente radial imediatamente fora da casca e E_{\text{in},n} é a componente radial imediatamente dentro. Como \mathscr{V}_{\text{out}}\equiv0, tem-se \overrightarrow{\mathscr{E}}_{\text{out}}=0, logo
\sigma = -\epsilon_{0}E_{r}(r=a^{-}).
  • Usando \mathscr{E}_{r}(r=a^-) calculado no passo anterior:
\mathscr{E}_{r}(a)=\frac{p}{4\pi\epsilon_{0}a^{3}}\cdot 3\cos\theta=\frac{3p\cos\theta}{4\pi\epsilon_{0}a^{3}}.
Portanto
\sigma(\theta) = -\epsilon_{0}\frac{3p\cos\theta}{4\pi\epsilon_{0}a^{3}} = -\frac{3p\cos\theta}{4\pi a^{3}}.
  • Observação rápida (checagem): integra-se \sigma sobre a superfície esférica e obtém-se carga total induzida zero, pois \int_{S}\cos\theta\,dA=0. Isso está de acordo com o fato de o dipolo não portar carga total e a simetria.

Resposta

(a) Esquema: esfera metálica concêntrica de raio a com centro na origem; dipolo pontual \vec{p} colocado em r=0 apontando para +\hat{\mathbf{z}}; sistema de coordenadas esféricas com eixo polar z alinhado com \vec{p}.
(b) Potencial interior:
\mathscr{V}_{\text{in}}(r,\theta)=\frac{p\cos\theta}{4\pi\epsilon_{0}}\left(\frac{1}{r^{2}}-\frac{r}{a^{3}}\right),\quad r\le a.
Potencial exterior:
\mathscr{V}_{\text{out}}(r,\theta)=0,\quad r\ge a.
(c) Campo elétrico interno:
\overrightarrow{\mathscr{E}}(\vec{r})=\frac{p}{4\pi\epsilon_{0}r^{3}}\left\{\left(2+\frac{r^{3}}{a^{3}}\right)\cos\theta\,\hat{\mathbf{r}}+\left(1-\frac{r^{3}}{a^{3}}\right)\sin\theta\,\hat{\boldsymbol{\theta}}\right\},\quad r\le a.
(d) Densidade superficial induzida na casca:
\sigma(\theta)=-\frac{3p\cos\theta}{4\pi a^{3}}.

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