Considere \alpha=\sqrt{3} i e \beta=\sqrt[3]{2}.
(a) (1 ponto) Determine \gamma \in \mathbb{C} tal que \mathbb{Q}[\alpha, \beta]=\mathbb{Q}[\gamma]. Justifique sua resposta.
(b) (0,75 ponto ) Calcule o grau da extensão do item (a). Justifique sua resposta.
Passo 1
O enunciado dá \alpha=\sqrt{3}\,i e \beta=\sqrt[3]{2} e pede duas coisas:
(parte a) Encontrar um \gamma\in\mathbb{C} tal que \mathbb{Q}[\alpha,\beta]=\mathbb{Q}[\gamma] e justificar.
(parte b) Calcular o grau da extensão do item (a), ou seja [\mathbb{Q}[\alpha,\beta]:\mathbb{Q}], e justificar.
As informações relevantes que já temos no enunciado são exatamente os valores de \alpha e \beta. A resolução começa a partir dessas duas quantidades.
Passo 2
Identifico os polinômios mínimos e os graus das extensões simples geradas por \alpha e \beta.
Para \alpha=\sqrt{3}\,i vemos que \alpha^2=(\sqrt{3}\,i)^2=-3. Logo \alpha é raiz de x^2+3. Como x^2+3 não tem raízes racionais (–3 não é quadrado em \mathbb{Q}), ele é irreduzível sobre \mathbb{Q}. Assim o polinômio mínimo de \alpha é
x^2+3,
e portanto [\mathbb{Q}(\alpha):\mathbb{Q}]=2.
Para \beta=\sqrt[3]{2} o polinômio x^3-2 tem raiz \beta. Pelo critério de Eisenstein com o primo p=2 sabemos que x^3-2 é irreduzível sobre \mathbb{Q}. Então o polinômio mínimo de \beta é
x^3-2,
e portanto [\mathbb{Q}(\beta):\mathbb{Q}]=3.
(Comentário amistoso: já temos dois graus, 2 e 3 — eles vão ser úteis pois são coprimos.)
Passo 3
Vou mostrar que \mathbb{Q}(\alpha)\cap\mathbb{Q}(\beta)=\mathbb{Q}. Isso é importante porque, para extensões finitas, o grau da compositum satisfaz
Se K for uma subextensão comum não-trivial de \mathbb{Q}(\alpha) e \mathbb{Q}(\beta), então [K:\mathbb{Q}] divide tanto 2 quanto 3. O único divisor comum de 2 e 3 é 1, logo [K:\mathbb{Q}]=1, o que significa K=\mathbb{Q}. Portanto
Com isso, a fórmula acima dá imediatamente (mas vamos usá-la depois) que o grau de \mathbb{Q}(\alpha,\beta) sobre \mathbb{Q} é 2\cdot 3=6.
Passo 4
Pelo Teorema do elemento primitivo sabemos que, como \alpha e \beta são algébricas sobre \mathbb{Q} e a extensão composta é finita, existe \gamma\in\mathbb{C} tal que
\mathbb{Q}(\alpha,\beta)=\mathbb{Q}(\gamma).
O teorema garante existência, mas o enunciado pede que eu determine um \gamma explícito e justifique. Uma escolha natural e simples é
\gamma=\alpha+\beta.
Agora vou justificar que esta escolha funciona, ou seja, que \mathbb{Q}(\alpha,\beta)=\mathbb{Q}(\alpha+\beta).
Observação: é óbvio que \mathbb{Q}(\alpha+\beta)\subseteq\mathbb{Q}(\alpha,\beta). Preciso provar a inclusão inversa mostrando que \alpha\in\mathbb{Q}(\alpha+\beta) e \beta\in\mathbb{Q}(\alpha+\beta), ou equivalentemente que [\mathbb{Q}(\alpha+\beta):\mathbb{Q}]=6 (já sabemos que o corpo maior tem grau 6, então igualdade de graus implica igualdade dos corpos).
Passo 5
Vou computar o número de conjugados de \gamma=\alpha+\beta sob as diferentes embeddings que fixam \mathbb{Q}. As conjugações possíveis de \alpha e \beta vêm de seus polinômios mínimos:
As raízes de x^2+3 são \alpha e -\alpha.
As raízes de x^3-2 são \beta, \beta\omega e \beta\omega^2, onde \omega=e^{2\pi i/3} (uma raiz primitiva de unidade de ordem 3).
Portanto, as possíveis imagens de \gamma sob um automorfismo de \overline{\mathbb{Q}} que fixa \mathbb{Q} são os números da forma
\alpha_i+\beta_j,
com \alpha_i\in\{\alpha,-\alpha\} e \beta_j\in\{\beta,\beta\omega,\beta\omega^2\}. Há 2\cdot 3=6 combinações em princípio. Se todas essas 6 somas forem distintas, o polinômio minimal de \gamma terá grau 6, e então [\mathbb{Q}(\gamma):\mathbb{Q}]=6, o que implica \mathbb{Q}(\gamma)=\mathbb{Q}(\alpha,\beta).
Resta, portanto, provar que as 6 somas \alpha_i+\beta_j são de fato todas distintas.
Passo 6
Provo que as 6 somas \alpha_i+\beta_j são distintas por contradição. Suponha que existam índices tais que
\alpha_i+\beta_j=\alpha_k+\beta_\ell.
Então
\alpha_i-\alpha_k=\beta_\ell-\beta_j.
O lado esquerdo pertence a \mathbb{Q}(\alpha) e o direito pertence a \mathbb{Q}(\beta). Assim o número \alpha_i-\alpha_k pertence à interseção \mathbb{Q}(\alpha)\cap\mathbb{Q}(\beta), que, do Passo 3, sabemos ser \mathbb{Q}. Portanto \alpha_i-\alpha_k\in\mathbb{Q}.
Mas \alpha_i,\alpha_k\in\{\alpha,-\alpha\}, então \alpha_i-\alpha_k só pode valer 0 (se \alpha_i=\alpha_k) ou \pm 2\alpha (se \alpha_i=-\alpha_k). Como \alpha=i\sqrt{3}, temos 2\alpha=\;2i\sqrt{3}\notin\mathbb{Q}. Logo a única possibilidade compatível com \alpha_i-\alpha_k\in\mathbb{Q} é \alpha_i-\alpha_k=0, isto é \alpha_i=\alpha_k.
Com \alpha_i=\alpha_k a igualdade inicial força \beta_j=\beta_\ell. Portanto não existe igualidade entre duas somas com pares distintos (i,j)\neq(k,\ell). Concluímos que as 6 somas são todas distintas.
Passo 7
Como as 6 imagens \alpha_i+\beta_j de \gamma são distintas, o polinômio mínimo de \gamma tem grau 6. Então
[\mathbb{Q}(\gamma):\mathbb{Q}]=6.
Mas já sabemos que [\mathbb{Q}(\alpha,\beta):\mathbb{Q}]=6 (Passo 3), e temos a inclusão \mathbb{Q}(\gamma)\subseteq\mathbb{Q}(\alpha,\beta). Como os graus coincidem, segue
\mathbb{Q}(\gamma)=\mathbb{Q}(\alpha,\beta).
Portanto a escolha \gamma=\alpha+\beta funciona e está justificada.