Considere o problema de N corpos em interação gravitacional do ponto de vista do sistema de referência do centro de massa. A hamiltoniana é dada por H=T+V, onde T=\sum_{i}\left|\mathbf{p}_{i}\right|^{2} / 2 m_{i} e
V\left(\mathbf{r}_{1}, \ldots, \mathbf{r}_{N}\right)=-\frac{1}{2} \sum_{\substack{i, j \\\ i \neq j}} \frac{G m_{i} m_{j}}{\left|\mathbf{r}_{i}-\mathbf{r}_{j}\right|}
(i) Introduza a quantidade I=\frac{1}{2} \sum_{i} m_{i}\left|\mathbf{r}_{i}\right|^{2} e prove que \ddot{I}=E+T. Sugestão: comprove que V é uma função homogênea e aplique o teorema de Euler do Apêndice B. (ii) Levando em conta que T é uma quantidade sempre positiva, prove, fazendo duas integrações sucessivas, que I(t) \geq I(0)+\dot{I}(0) t+E t^{2} / 2. Conclua, finalmente, que se a energia total for positiva pelo menos um dos corpos escapará para o infinito no limite t \rightarrow \infty.

Passo 1

O enunciado trata do problema de N corpos que interagem gravitacionalmente, descrito pela hamiltoniana
H = T + V,
onde
T = \sum_{i}\frac{|\mathbf{p}_i|^2}{2m_i},
V(\mathbf{r}_1,\dots,\mathbf{r}_N) = -\frac{1}{2}\sum_{\substack{i,j\i\neq j}} \frac{G\,m_i\,m_j}{|\mathbf{r}_i-\mathbf{r}_j|}.
Introduzimos
I = \frac{1}{2}\sum_i m_i\,|\mathbf{r}_i|^2
e precisamos (i) mostrar que \ddot I = E + T, usando que V é homogênea de grau -1 e o teorema de Euler; (ii) integrar duas vezes a desigualdade resultante para obter
I(t)\ge I(0)+\dot I(0)\,t+\frac{E\,t^2}{2},
e concluir que se E>0 pelo menos um corpo escapa para t\to\infty.
Conteúdos necessários: derivadas temporais em mecânica hamiltoniana, teorema de Euler para funções homogêneas e integração de desigualdades.

Passo 2

Calculemos \dot I e \ddot I.
Em primeiro lugar,
\dot I = \frac{1}{2}\sum_i m_i\frac{d}{dt}|\mathbf{r}_i|^2 = \sum_i m_i\,\mathbf{r}_i\cdot\dot{\mathbf{r}}_i = \sum_i \mathbf{r}_i\cdot\mathbf{p}_i,
pois \mathbf{p}_i = m_i\dot{\mathbf{r}}_i.
Tomando mais uma derivada temporal,
\ddot I = \sum_i \bigl(\dot{\mathbf{r}}_i\cdot\mathbf{p}_i + \mathbf{r}_i\cdot\dot{\mathbf{p}}_i\bigr) = \sum_i \Bigl(\frac{|\mathbf{p}_i|^2}{m_i} + \mathbf{r}_i\cdot\dot{\mathbf{p}}_i\Bigr) = 2T + \sum_i \mathbf{r}_i\cdot\dot{\mathbf{p}}_i.
Mas pelas equações hamiltonianas \dot{\mathbf{p}}_i = -\partial V/\partial\mathbf{r}_i, então
\sum_i \mathbf{r}_i\cdot\dot{\mathbf{p}}_i = -\sum_i \mathbf{r}_i\cdot\frac{\partial V}{\partial\mathbf{r}_i}.

Passo 3

Usamos agora o teorema de Euler: se V(\lambda\mathbf{r}_1,\dots,\lambda\mathbf{r}_N)=\lambda^k V(\mathbf{r}_1,\dots,\mathbf{r}_N), então
\sum_i \mathbf{r}_i\cdot\frac{\partial V}{\partial\mathbf{r}_i} = k\,V.
No nosso caso V é homogênea de grau k=-1, pois cada termo |\mathbf{r}_i-\mathbf{r}_j|^{-1} escala com \lambda^{-1}. Logo
\sum_i \mathbf{r}_i\cdot\frac{\partial V}{\partial\mathbf{r}_i} = -1\cdot V \quad\Longrightarrow\quad -\sum_i \mathbf{r}_i\cdot\frac{\partial V}{\partial\mathbf{r}_i} = V.
Substituindo em \ddot I obtém-se
\ddot I = 2T + V = T + (T+V) = T + E.

Passo 4

Como T\ge 0, temos
\ddot I = T + E \;\ge\; E.
Integrando de 0 a t:
\dot I(t)-\dot I(0)\;\ge\; E\,t \quad\Longrightarrow\quad \dot I(t)\;\ge\;\dot I(0)+E\,t.
Integramos novamente:
I(t)-I(0)-\dot I(0)\,t \;\ge\;\int_0^t E\,t'\,dt' = \frac{E\,t^2}{2},
de onde
I(t)\;\ge\;I(0)+\dot I(0)\,t+\frac{E\,t^2}{2}.

Passo 5

Se E>0, o termo \tfrac{E\,t^2}{2} cresce sem limite quando t\to\infty, o que obriga \sum_i m_i|\mathbf{r}_i(t)|^2\to\infty. Logo pelo menos uma das posições |\mathbf{r}_i| deve crescer sem limite, ou seja, ao menos um corpo escapa para o infinito.

Resposta

(i) \ddot I = T + E.
(ii) I(t)\ge I(0)+\dot I(0)\,t+\tfrac{E\,t^2}{2}. Se E>0, pelo menos um corpo escapa para o infinito quando t\to\infty.

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