• 2.9: Considere um projétil disparado verticalmente em um campo gravitacional constante. Para a mesma velocidade inicial, qual a razão entre o tempo de subida e o tempo de descida se considerarmos que a força de resistência do ar é proporcional a v ? (Aqui, v é a velocidade instantânea da partícula).

Passo 1

Enunciado e dados importantes (vou deixar tudo claro e sem resolver nada ainda):\n
  • Um projétil é disparado verticalmente para cima com velocidade inicial V (magniture conhecida).\n
  • Campo gravitacional constante com aceleração g para baixo (valor positivo g).\n
  • Força de resistência do ar é proporcional à velocidade instantânea v. Vou representar essa força por -b v (o sinal negativo indica que a força é sempre oposta à velocidade). Aqui b>0 é a constante de proporcionalidade.\n
  • Massa do projétil é m. Defino k=\dfrac{b}{m} (tem unidade de s^{-1}), que simplifica a escrita.\n
    O que o problema pergunta:\n
  • Para a mesma velocidade inicial V, qual é a razão entre o tempo de subida e o tempo de descida? Ou seja, queremos \dfrac{t_{\text{subida}}}{t_{\text{descida}}}.\n
    Observações importantes sobre o que temos disponível:\n
  • Temos que tratar subida e descida com a mesma equação de movimento, mas com condições iniciais diferentes (na subida a velocidade inicial é V; no topo, na descida, a velocidade inicial é zero).
  • Não há outras hipóteses escondidas no enunciado; vou usar a convenção de eixo vertical positivo para cima.

Passo 2

Equação do movimento e interpretação física (aula rápida):\n
  • Força resultante na direção vertical (positivo para cima) é soma do peso e da resistência do ar. Como a resistência é proporcional à velocidade e sempre aponta oposta à velocidade, a equação é
m\frac{dv}{dt} = -m g - b v.
  • Dividindo por m e usando k=\dfrac{b}{m}, obtemos a forma padrão de uma equação diferencial linear de primeira ordem:
\frac{dv}{dt} + k v = -g.
Explicação didática do que isto significa:\n
  • O termo -g é a aceleração constante para baixo (gravidade).\n
  • O termo k v representa o amortecimento linear: quanto maior a velocidade, maior a contribuição do arrasto para reduzir (ou aumentar, no caso da descida) a aceleração instantânea.\n
  • Essa equação vale tanto na subida quanto na descida; o que muda são as condições iniciais (sinal e valor inicial da velocidade).

Passo 3

Resolvendo a equação para a velocidade durante a subida (passo-a-passo):\n
  • Consideramos a fase de subida com condição inicial \,v(0)=V (positivo para cima).\n
  • A equação é linear; método do fator integrante: fator integrante e^{k t}. Multiplicando por e^{k t} e integrando,
\frac{d}{dt}\big(e^{k t} v(t)\big) = -g e^{k t}.
  • Integrando de 0 a t e usando v(0)=V obtemos
e^{k t} v(t) - V = -g\int_{0}^{t} e^{k s} ds = -g \frac{e^{k t}-1}{k}.
  • Isolando v(t),
v(t) = \left(V + \frac{g}{k}\right)e^{-k t} - \frac{g}{k}.
Breve interpretação: sem resistência ( k\to0) recupera v(t)=V-gt; com resistência, aparece um termo de relaxamento exponencial para a velocidade terminal -g/k.\n
  • Tempo de subida t_{\text{subida}} é o instante em que v(t)=0 (atinge o ponto mais alto). Igualando a zero:
0 = \left(V + \frac{g}{k}\right)e^{-k t_{\text{subida}}} - \frac{g}{k}.
  • Dessa igualdade segue
e^{-k t_{\text{subida}}} = \frac{g/k}{V + g/k} = \frac{g}{kV + g}.
  • Tomando logaritmo e isolando t_{\text{subida}},
t_{\text{subida}} = \frac{1}{k}\ln\!\Big(1 + \frac{kV}{g}\Big).
Comentário motivador: essa fórmula é simples e muito útil — memoriza mentalmente que aparece um \ln por causa do amortecimento exponencial.

Passo 4

Altura máxima atingida (necessária para o tempo de descida):\n
  • Para achar o tempo de descida precisamos saber a altura máxima H (ponto inicial da queda). Integramos v(t) durante a subida para obter a posição y(t) (assumindo y(0)=0):
y(t)=\int_{0}^{t} v(s)\,ds = \left(V + \frac{g}{k}\right)\frac{1 - e^{-k t}}{k} - \frac{g}{k}t.
  • Avaliando em t=t_{\text{subida}} (onde e^{-k t_{\text{subida}}}=\dfrac{g}{kV+g}) obtemos uma expressão que se simplifica bastante:
H = y(t_{\text{subida}}) = \frac{V}{k} - \frac{g}{k^{2}}\ln\!\Big(1+\frac{kV}{g}\Big).
Explicação rápida do resultado: o primeiro termo \dfrac{V}{k} vem do limite quando o amortecimento domina; o log corrige pela ação da gravidade ao longo do tempo de subida.

Passo 5

Velocidade e posição durante a descida e equação para o tempo de descida:\n
  • Para a descida, as condições iniciais (no instante definido como t=0 para a descida) são: v(0)=0 (parte do repouso no topo) e posição inicial y(0)=H.\n
  • A equação para v(t) é a mesma \dfrac{dv}{dt}+k v=-g. Com v(0)=0 a solução é
v(t)=\frac{g}{k}e^{-k t}-\frac{g}{k} = -\frac{g}{k}\big(1-e^{-k t}\big).
(Nota: o sinal negativo indica que a velocidade é para baixo.)\n
  • A posição durante a descida (medida em coord. com cima positiva) é
y(t)=H+\int_{0}^{t} v(s)\,ds = H - \frac{g}{k}t + \frac{g}{k^{2}}\big(1-e^{-k t}\big).
  • O tempo de descida t_{\text{descida}} é a solução positiva de y(t_{\text{descida}})=0. Substituindo H da Passo 4 e rearranjando obtemos a equação (faço a substituição e simplifico):
k t_{\text{descida}} -\big(1-e^{-k t_{\text{descida}}}\big) = \frac{kV}{g} - \ln\!\Big(1+\frac{kV}{g}\Big).
  • Para simplificar a escrita, introduzo a quantidade adimensional
\alpha \equiv \frac{kV}{g}.
Também defino a\equiv k t_{\text{descida}} e b\equiv k t_{\text{subida}}=\ln(1+\alpha). Em termos dessas variáveis a equação acima fica
a - \big(1-e^{-a}\big)=\alpha - b.
Reescrevendo um pouco,
a + e^{-a} = e^{b} - b.
Essa equação determina a (e portanto t_{\text{descida}}=a/k) em função de b (que depende de \alpha, i.e. da velocidade inicial).

Passo 6

Resolvendo explicitamente a equação para t_{\text{descida}} usando a função W (função de Lambert) — procedimento e explicação:\n
  • Temos a equação
a + e^{-a} = C,
onde C\equiv e^{b}-b (e como vimos e^{b}=1+\alpha e b=\ln(1+\alpha), logo C=1+\alpha-\ln(1+\alpha)).\n
  • Multiplico ambos os lados por e^{a} para obter
a e^{a} + 1 = C e^{a}.
  • Reescrevo como
(a-C) e^{a-C} = -e^{-C}.
  • Agora defino z\equiv a-C. A equação fica z e^{z} = -e^{-C}. A solução para z é dada pela função de Lambert W:
z = W\!\big(-e^{-C}\big).
(Explicação curta da função W: ela é a inversa da função x\mapsto x e^{x}; ou seja, se z e^{z}=y então z=W(y).)\n
  • Voltando para a, temos
a = C + W\!\big(-e^{-C}\big).
  • Substituindo C=1+\alpha-\ln(1+\alpha) e lembrando a=k t_{\text{descida}}, obtemos finalmente
t_{\text{descida}} = \frac{1}{k}\Big[\,1+\alpha-\ln(1+\alpha) + W\!\big(- (1+\alpha)e^{-(1+\alpha)}\big)\Big],
pois -e^{-C} = -\exp(-(1+\alpha-\ln(1+\alpha))) = -(1+\alpha)e^{-(1+\alpha)}.

Passo 7

Expressão final da razão t_{\text{subida}}/t_{\text{descida}} (organizando tudo num lugar só):\n
  • Lembre que t_{\text{subida}} = \dfrac{1}{k}\ln(1+\alpha) com \alpha=\dfrac{kV}{g}.\n
  • Portanto a razão pedida é
\frac{t_{\text{subida}}}{t_{\text{descida}}} \;=\; \frac{\ln(1+\alpha)}{\,1+\alpha-\ln(1+\alpha) + W\!\big(- (1+\alpha)e^{-(1+\alpha)}\big)\,}.
  • Substituindo de volta \alpha=\dfrac{kV}{g}=\dfrac{bV}{mg} se preferir, temos uma forma equivalente em termos de b,m,g,V.\n
    Breve comentário final (motivador): essa expressão é a forma fechada da razão; a presença da função W é natural porque surgem termos do tipo x e^{x} ao resolver a equação transcendental que determina o tempo de descida. Para casos de resistência fraca ( \alpha\ll1) a razão fica próxima de 1 (subida e descida quase simétricas), e para amortecimento maior a assimetria cresce.

Resposta

\frac{t_{\text{subida}}}{t_{\text{descida}}} = \frac{\ln\!\big(1+\alpha\big)} {\,1+\alpha-\ln\!\big(1+\alpha\big) + W\!\big(- (1+\alpha)e^{-(1+\alpha)}\big)\,} \quad\text{onde }\alpha=\frac{kV}{g}=\frac{bV}{m g}.

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