A curva de resistência ao crescimento de uma trinca em determinado material de espessura 2 mm é dada pela seguinte Equação:
R=\frac{K_{I C}^{2}}{E}+\frac{1}{2}(\Delta a)^{0,5} \quad\left(\frac{M J}{m^{2}}\right)
Considere um painel confeccionado a partir desse material, com grandes dimensões, espessura 2 mm , e que apresenta uma trinca passante de 4 cm de comprimento. Determine o comprimento de crescimento estável da trinca e a tensão crítica de instabilidade correspondente.
Dados: \mathrm{K}_{\mathrm{IC}}=95 \mathrm{MPa}(\mathrm{m})^{0,5}, \mathrm{E}=210 \mathrm{GPa}

Passo 1

O enunciado pede duas coisas: (1) o comprimento de crescimento estável da trinca, isto é, o incremento \Delta a até o ponto de instabilidade; (2) a tensão crítica de instabilidade correspondente, isto é, a tensão remota \sigma_{\text{cr}} que faz a trinca tornar-se instável.
Dados fornecidos e informações relevantes:
K_{IC}=95\\ \text{MPa}\,\sqrt{\text{m}},\qquad E=210\\ \text{GPa},
espessura do painel =2\\ \text{mm} (painel fino, grandes dimensões), trinca passante inicial de comprimento
a_0=4\\ \text{cm}=0{,}04\\ \text{m}.
Observação importante (usada adiante): por ser painel fino e de grandes dimensões, adotamos a aproximação de placa larga (placa infinita) em condição de plano-tensão, de modo que as fórmulas clássicas de Mecânica da Fratura linear se aplicam (ver próximos passos).

Passo 2

Vamos revisar as fórmulas que vamos usar (mini-aula, passo a passo). Para uma trinca através da espessura numa placa grande sujeita a tensão remota \sigma, o fator de intensidade de tensões é
K_I=\sigma\sqrt{\pi a},
onde a é o comprimento efetivo da trinca. O módulo de liberação de energia (taxa de energia disponível para crescimento da trinca) chama-se G e, em condição de plano-tensão, relaciona-se com K_I por
G=\frac{K_I^{2}}{E}.
Explicando variáveis: \sigma é a tensão remota aplicada (Pa), a é o comprimento da trinca (m), K_I tem unidade \text{Pa}\,\sqrt{\text{m}}, E é o módulo de Young (Pa) e G tem unidade de energia por área (\text{J}/\text{m}^2).

Passo 3

A resistência ao crescimento (R-curve) dada no enunciado é
R(\Delta a)=\frac{K_{IC}^{2}}{E}+\frac{1}{2}(\Delta a)^{0,5},
onde \Delta a é o crescimento (extensão) da trinca além do comprimento inicial a_0. O termo \dfrac{K_{IC}^2}{E} é o valor inicial de R (resistência à fratura) quando \Delta a=0. Nota: aqui \Delta a está em metros; o coeficiente 1/2 é dado no enunciado (considere-o como constante numérica com as unidades necessárias para consistência).

Passo 4

Condição de equilíbrio (ponto em que a trinca pode crescer quasi-estaticamente): a taxa de energia disponível G no comprimento a=a_0+\Delta a deve ser igual à resistência R(\Delta a):
G(\Delta a)=R(\Delta a).
Usando G=\dfrac{\sigma^{2}\pi (a_0+\Delta a)}{E} (pois K_I=\sigma\sqrt{\pi(a_0+\Delta a)} e G=K_I^2/E), a equação de equilíbrio fica
\frac{\sigma^{2}\pi (a_0+\Delta a)}{E}=\frac{K_{IC}^{2}}{E}+\frac{1}{2}(\Delta a)^{0{,}5}.

Passo 5

Critério de estabilidade: um pequeno aumento adicional de \Delta a será estável se, no ponto de equilíbrio, a resistência crescer com \Delta a mais rápido que a taxa de liberação de energia. Formalmente, o limite entre estável e instável ocorre quando as derivadas em relação a \Delta a são iguais:
\frac{dG}{d(\Delta a)}=\frac{dR}{d(\Delta a)}.
Calculamos ambas as derivadas:
\frac{dG}{d(\Delta a)}=\frac{\sigma^{2}\pi}{E}, \qquad \frac{dR}{d(\Delta a)}=\frac{1}{2}\cdot\frac{1}{2}(\Delta a)^{-1/2}=\frac{1}{4}(\Delta a)^{-1/2}.
(Explicando: derivada de (\Delta a)^{1/2} é \tfrac{1}{2}(\Delta a)^{-1/2}; multiplicando pelo coeficiente 1/2 1/4\,(\Delta a)^{-1/2}.)

Passo 6

No ponto crítico de instabilidade devemos satisfazer simultaneamente G=R e as derivadas iguais. Da igualdade das derivadas isolamos \sigma^{2}:
\frac{\sigma^{2}\pi}{E}=\frac{1}{4}(\Delta a)^{-1/2} \quad\Rightarrow\quad \sigma^{2}=\frac{E}{4\pi}(\Delta a)^{-1/2}.
Substituímos esse \sigma^{2} na condição de equilíbrio G=R. A igualdade G=R multiplicada por E é
\sigma^{2}\pi(a_0+\Delta a)=K_{IC}^{2}+\frac{E}{2}(\Delta a)^{1/2}.
Substituindo \sigma^{2} da expressão anterior:
\left(\frac{E}{4\pi}(\Delta a)^{-1/2}\right)\pi (a_0+\Delta a)=K_{IC}^{2}+\frac{E}{2}(\Delta a)^{1/2}.
Simplificando \pi e fatorando E:
\frac{E}{4}(\Delta a)^{-1/2}(a_0+\Delta a)=K_{IC}^{2}+\frac{E}{2}(\Delta a)^{1/2}.
Multiplicando ambos os lados por 4(\Delta a)^{1/2}/E obtemos (para facilitar, definimos A=\dfrac{K_{IC}^{2}}{E}):
a_0+\Delta a=4A(\Delta a)^{1/2}+2\Delta a.
Rearranjando:
a_0-\Delta a=4A(\Delta a)^{1/2}.
Agora faça a substituição x=(\Delta a)^{1/2} (então \Delta a=x^{2}). A equação vira uma equação quadrática em x:
x^{2}+4A x - a_0 = 0,
com
A=\frac{K_{IC}^{2}}{E}.

Passo 7

Resolvendo a quadrática x^{2}+4A x - a_0 = 0 pelo fórmula de Bhaskara (escolhemos a raiz positiva, pois x=\sqrt{\Delta a}\ge 0):
x=-2A+\sqrt{4A^{2}+a_0}.
Então
\Delta a = x^{2}=\left(-2A+\sqrt{4A^{2}+a_0}\right)^{2}.
Agora calculamos numericamente A com as unidades SI (conversão):
K_{IC}=95\\ \text{MPa}\sqrt{\text{m}}=95\times10^{6}\\ \text{Pa}\,\sqrt{\text{m}}, \qquad E=210\\ \text{GPa}=210\times10^{9}\\ \text{Pa}.
Logo
A=\frac{K_{IC}^{2}}{E}=\frac{(95\times10^{6})^{2}}{210\times10^{9}} \approx 4{,}297619\times10^{4}\\ \text{J}/\text{m}^{2}.

Passo 8

Cálculo numérico de x e \Delta a. Usando A\approx 4{,}2976\times10^{4} e a_0=0{,}04\\ \text{m}:
A raiz aproximada, por desenvolvimento assintótico (porque A é muito maior que \sqrt{a_0}), dá
x\approx\frac{a_0}{4A}\approx\frac{0{,}04}{4\times4{,}2976\times10^{4}} \approx 2{,}3266\times10^{-7}\\ \text{m}^{1/2}.
Portanto
\Delta a = x^{2}\approx(2{,}3266\times10^{-7})^{2} \approx 5{,}41\times10^{-14}\\ \text{m}.
Interpretação numérica: esse \Delta a é extremamente pequeno (nova extensão praticamente nula comparada a a_0=0{,}04\\ \text{m}), ou seja, o ponto de instabilidade estaria separado do estado inicial por um crescimento praticamente desprezível.

Passo 9

Cálculo da tensão crítica \sigma_{\text{cr}}. Usamos a relação obtida em Passo 6:
\sigma^{2}=\frac{E}{4\pi}(\Delta a)^{-1/2}=\frac{E}{4\pi}\frac{1}{x}.
Substituindo valores numéricos ( E=210\times10^{9}\\ \text{Pa}, x\approx2{,}3266\times10^{-7}\\ \text{m}^{1/2}):
\sigma^{2}\approx\frac{210\times10^{9}}{4\pi}\cdot\frac{1}{2{,}3266\times10^{-7}} \approx 7{,}185\times10^{16}\\ (\text{Pa}^{2}),
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\sigma_{\text{cr}}\approx\sqrt{7{,}185\times10^{16}}\approx 8{,}48\times10^{8}\\ \text{Pa}\approx 848\\ \text{MPa}.
Comentário prático (rápido): esse valor é muito alto em relação a tensões usuais de escoamento de metais, o que indica que, com essa R-curve, a trinca não se tornará instável por crescimento frágil até tensões muito elevadas — na prática outros mecanismos (escoamento plástico, outras falhas) ocorrem antes.

Resposta

\Delta a_{\text{estável}}\approx 5{,}41\times10^{-14}\\ \text{m}á
\sigma_{\text{cr}}\approx 8{,}48\times10^{8}\\ \text{Pa}=848\\ \text{MPa}

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