Para escoamento a velocidades muito lentas e com viscosidade alta (o conhecido creeping flow), tal qual o que ocorre em lubrificação, é possível desprezar os termos inerciais, Dv/Dt a partir da equação de Navier-Stokes. Para escoamentos a altas velocidades e viscosidade baixa, não é apropriado desprezar os termos viscosos u \nabla^{2} v. Explique.

Passo 1

O enunciado nos lembra da equação de Navier–Stokes na forma
\rho\,\frac{D\mathbf{v}}{Dt} \;=\; -\nabla p \;+\;\mu\,\nabla^2\mathbf{v}\;+\;\rho\,\mathbf{g},
e diz que, para escoamento creeping (velocidades muito baixas, viscosidade alta), podemos desprezar o termo inercial \rho\,D\mathbf{v}/Dt. Em contrapartida, para escoamentos de altas velocidades e baixa viscosidade, questiona-se por que não faz sentido desprezar o termo viscoso \mu\,\nabla^2\mathbf{v}. Vamos usar argumentos de ordem de grandeza e o conceito de número de Reynolds para explicar isso.

Passo 2

Introduzimos escalas características de velocidade U e comprimento L.
– O termo convectivo tem ordem de grandeza
\rho\,\frac{D\mathbf{v}}{Dt}\sim \rho\,\frac{U^2}{L}.
– O termo viscoso tem ordem de grandeza
\mu\,\nabla^2\mathbf{v}\sim \mu\,\frac{U}{L^2}.
O quociente entre esses dois termos define o número de Reynolds
\mathrm{Re} \;=\;\frac{\rho\,U\,L}{\mu}\;=\;\frac{\rho\,U^2/L}{\mu\,U/L^2}.
Se \mathrm{Re}\ll1, então \rho U^2/L\ll\mu U/L^2 e de fato o termo convectivo é muito menor que o viscoso, justificando o creeping flow.

Passo 3

Para altas velocidades e baixa viscosidade temos \mathrm{Re}\gg1. Nesse caso
\rho\,\frac{U^2}{L}\gg \mu\,\frac{U}{L^2},
ou seja, globalmente o termo convectivo (inercial) domina sobre o viscoso. Se fizéssemos o mesmo raciocínio de “desprezar o termo viscoso” teríamos a equação de Euler, mas isso ignoraria fenômenos fundamentais que ocorrem junto às paredes sólidas e na dissipação de energia.

Passo 4

Mesmo com \mathrm{Re}\gg1, perto das paredes se forma uma camada limite onde as variações de velocidade ocorrem num comprimento característico \delta\ll L. Nessa região a segunda derivada em direção à normal à parede escala como
\nabla^2\mathbf{v}\sim \frac{U}{\delta^2},
e o termo viscoso passa a ter ordem \mu\,U/\delta^2. Como \delta\sim L/\sqrt{\mathrm{Re}}, esse termo fica da mesma ordem de grandeza do termo inercial localmente, de modo a garantir a condição de não deslizamento ( \mathbf{v}=0 na parede) e a dissipação de energia viscosa.

Passo 5

Portanto, em escoamentos de alto \mathrm{Re} não podemos descartar \mu\,\nabla^2\mathbf{v} por duas razões principais:
  1. Sem ele não satisfazemos a condição de não deslizamento nas fronteiras sólidas.
  2. Ele é responsável pela formação da camada limite e pela dissipação viscosa, fenômenos que continuam a controlar o comportamento do escoamento nas proximidades das paredes e na distribuição de pressão no domínio.

Resposta

Não faz sentido desprezar o termo viscoso em regimes de alta velocidade e baixa viscosidade porque, embora o termo inercial domine no escoamento principal ( \mathrm{Re}\gg1), o termo \mu\,\nabla^2\mathbf{v} continua sendo crucial na camada limite junto às paredes (para satisfazer a condição de não deslizamento) e para a dissipação de energia viscosa.

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