Explique por que a entalpia de dissolução ( \Delta \mathrm{H}_{\text {dissol. }} ) pode ser determinada a partir da dependência da constante de solubilidade ( \mathrm{K}_{\mathrm{ps}} ) com a temperatura. Use a equação de van’t Hoff em sua resposta.

Passo 1

O que o enunciado pede: explicar por que a entalpia de dissolução \Delta H_{\text{dissol.}} pode ser determinada a partir da dependência da constante de solubilidade \mathrm{K}_{\mathrm{ps}} com a temperatura.
Informações dadas (implícitas): podemos medir experimentalmente \mathrm{K}_{\mathrm{ps}} em diferentes temperaturas T. A intenção é ligar essa variação com \Delta H_{\text{dissol.}} usando a equação de van’t Hoff.

Passo 2

Definição e ideia física básica.
Quando um sal sólido se dissolve, ocorre um equilíbrio químico de forma geral:
\text{salt (s)} \rightleftharpoons \text{ions (aq)}
A constante de solubilidade (produto de solubilidade) \mathrm{K}_{\mathrm{ps}} é a constante de equilíbrio associada a essa reação e é dada, para um exemplo genérico A_mB_n(s)\rightleftharpoons mA^{z+}+nB^{w-}, por
\mathrm{K}_{\mathrm{ps}} = [A^{z+}]^{m}[B^{w-}]^{n},
onde entre colchetes estão as concentrações molares (ou, mais rigorosamente, atividades) dos íons em solução saturada. O ponto essencial: \mathrm{K}_{\mathrm{ps}} depende da temperatura T.

Passo 3

Relação entre constante de equilíbrio e energia livre de Gibbs padrão.
Para qualquer reação química em condições padrão, a variação da energia livre padrão \Delta G^\circ está relacionada à constante de equilíbrio K por
\Delta G^\circ = -RT\ln K,
onde
  • R é a constante dos gases ( R=8{,}314\\ \mathrm{J\,mol^{-1}\,K^{-1}}),
  • T é a temperatura absoluta em kelvin,
  • K é a constante de equilíbrio (no nosso caso K\equiv \mathrm{K}_{\mathrm{ps}}).
    Esta equação é fundamental: ela traduz como a posição do equilíbrio (quantidade de íons dissolvidos) está ligada à termodinâmica da reação.

Passo 4

Relação entre \Delta G^\circ, \Delta H^\circ e \Delta S^\circ.
A termodinâmica básica dá
\Delta G^\circ = \Delta H^\circ - T\Delta S^\circ,
onde
  • \Delta H^\circ é a entalpia padrão da reação (aqui, a entalpia de dissolução \Delta H_{\text{dissol.}}),
  • \Delta S^\circ é a entropia padrão da reação.
    Essa é a equação de Gibbs-Helmholtz em forma simples.

Passo 5

Combinação das duas relações para escrever \ln K em função de 1/T.
Igualando as expressões de \Delta G^\circ do Passo 3 e do Passo 4:
-RT\ln K = \Delta H^\circ - T\Delta S^\circ.
Dividindo por -RT obtemos
\ln K = -\frac{\Delta H^\circ}{RT} + \frac{\Delta S^\circ}{R}.
Esta expressão mostra que, se \Delta H^\circ e \Delta S^\circ forem aproximadamente constantes na faixa de temperatura estudada, \ln K é uma função linear de 1/T.

Passo 6

Derivação da forma diferencial da equação de van’t Hoff.
Tomando derivada da equação do Passo 5 em relação a 1/T (tratando \Delta H^\circ e \Delta S^\circ como constantes), temos
\frac{d\ln K}{d(1/T)} = -\frac{\Delta H^\circ}{R}.
Esta é a forma habitual da equação de van’t Hoff que relaciona a razão de variação de \ln K com 1/T à entalpia padrão da reação.

Passo 7

Interpretação prática: como obter \Delta H_{\text{dissol.}} experimentalmente.
Procedimento típico:
  1. Medir experimentalmente \mathrm{K}_{\mathrm{ps}} em várias temperaturas T.
  2. Calcular \ln(\mathrm{K}_{\mathrm{ps}}) para cada T.
  3. Plotar \ln(\mathrm{K}_{\mathrm{ps}}) versus 1/T.
  4. Ajustar uma reta aos pontos; a inclinação da reta será -\Delta H^\circ / R.
    Ou, se só houver duas temperaturas T_1 e T_2, usar a forma integrada da van’t Hoff:
\ln\!\left(\frac{K_2}{K_1}\right) = -\frac{\Delta H^\circ}{R}\!\left(\frac{1}{T_2}-\frac{1}{T_1}\right),
da qual se isola \Delta H^\circ:
\Delta H^\circ = -R\,\frac{\ln(K_2/K_1)}{(1/T_2)-(1/T_1)}.
Assim se calcula numericamente a entalpia de dissolução a partir de medidas de \mathrm{K}_{\mathrm{ps}}.

Passo 8

Sinais e significado físico.
  • Se \Delta H_{\text{dissol.}}>0 (processo endotérmico), então \ln K cresce quando 1/T diminui (isto é, K aumenta com T) — a solubilidade aumenta com a temperatura.
  • Se \Delta H_{\text{dissol.}}<0 (exotérmico), K diminui com o aumento de T.
    Isso é intuitivo: processos que absorvem calor são favorecidos ao aumentar T, processos que liberam calor são desfavorecidos.

Passo 9

Hipóteses e limitações a observar na prática.
  • A dedução assume que \Delta H^\circ e \Delta S^\circ são aproximadamente constantes no intervalo de temperatura usado. Em intervalos muito grandes isso pode falhar.
  • Usamos K (atividades idealizadas) e frequentemente aproximamos atividades por concentrações; em soluções concentradas essa aproximação falha e é necessário usar coeficientes de atividade.
  • Variações de capacidade calorífica com T também podem tornar \Delta H^\circ dependente de T.
    Apesar dessas limitações, para muitos sais e faixas moderadas de temperatura a aproximação funciona bem e permite obter \Delta H_{\text{dissol.}} com razoável precisão.

Passo 10

Resumo prático, lembrando unidades e passos de cálculo.
  • Medidas: obter \mathrm{K}_{\mathrm{ps}}(T) experimentalmente.
  • Cálculo: trabalhar com \ln(\mathrm{K}_{\mathrm{ps}}) e 1/T (com T em kelvin).
  • Constante: usar R=8{,}314\\ \mathrm{J\,mol^{-1}\,K^{-1}} para obter \Delta H em joules por mol.
  • Resultado: \Delta H_{\text{dissol.}} vem da inclinação da reta em \ln K vs 1/T ou da fórmula entre duas temperaturas.

Resposta

\displaystyle \Delta H_{\text{dissol.}} = -R\;\frac{d\ln\!\bigl(\mathrm{K}_{\mathrm{ps}}\bigr)}{d(1/T)}\n \displaystyle \text{ou, entre duas temperaturas }T_1,T_2:\quad \Delta H_{\text{dissol.}} = -R\,\frac{\ln\!\bigl(K_2/K_1\bigr)}{(1/T_2)-(1/T_1)}

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