2- (1 ponto) Por que a corrosão do ferro é espontànea na presença de ar atmosférico úmido, enquanto que em condicāes úmidas, mas sem a presença de gás oxigénio a processo de corrosão ocorre em pequena escala?
\begin{aligned} & \mathrm{Fe}^{2+}+2 e^{\circ}=\mathrm{Fe} \quad E^{\circ}=-0,44 \mathrm{~V} \\\ & \mathrm{O}_{2}+\mathrm{H}_{2} \mathrm{O}+4 e^{\circ}=4 \mathrm{OH} \quad E^{\circ}=0,40 \mathrm{~V} \\\ & 2 \mathrm{H}_{2} \mathrm{O}+2 e^{\circ}=\mathrm{H}_{2}+2 \mathrm{OH} \quad E^{\circ}=-0,82 \mathrm{~V} \end{aligned}

Passo 1

O enunciado pergunta por que a corrosão do ferro é espontânea na presença de ar atmosférico úmido, enquanto em condições úmidas sem oxigénio o processo ocorre em pequena escala. As informações fornecidas (potenciais padrão de redução) são:
\mathrm{Fe}^{2+}+2e^{-}=\mathrm{Fe}\quad E^{\circ}=-0,44\\ \mathrm{V}
\mathrm{O}_{2}+\mathrm{H}_{2}\mathrm{O}+4e^{-}=4\mathrm{OH}^{-}\quad E^{\circ}=0,40\\ \mathrm{V}
2\mathrm{H}_{2}\mathrm{O}+2e^{-}=\mathrm{H}_{2}+2\mathrm{OH}^{-}\quad E^{\circ}=-0,82\\ \mathrm{V}
Estas três equações são potenciais de redução padrão. O objetivo é comparar pares de semi‑reações (uma como oxidação e outra como redução) para ver quando a reação global é termodinamicamente favorável (espontânea).

Passo 2

Conceito essencial: para uma reação redox espontânea sob condições padrão com duas semi‑reações, calcula‑se o potencial da célula por
E_{\text{cel}}^{\circ}=E_{\text{cátodo}}^{\circ}-E_{\text{ânodo}}^{\circ}.áâ
Explicando as palavras:
  • E_{\text{cátodo}}^{\circ}á é o potencial de redução da semi‑reação que atua como redução (onde ganham‑se electrões).
  • E_{\text{ânodo}}^{\circ}â é o potencial de redução da semi‑reação que será invertida (ou seja, aquela que se oxida; perde electrões).
  • Se E_{\text{cel}}^{\circ}>0 a reação global é termodinamicamente espontânea em condições padrão; se E_{\text{cel}}^{\circ}<0 não é espontânea (pelo menos sob condições padrão).
Também vale lembrar, de forma prática: o ferro metálico oxida‑se transformando‑se em \mathrm{Fe}^{2+} (isso é uma oxidação), então a semi‑reação do ferro como dada deve ser invertida quando o ferro atua como ânodo.

Passo 3

Caso com presença de oxigénio (ar úmido):
  • O ferro age como ânodo: a semi‑reação de oxidação é a inversa de \mathrm{Fe}^{2+}+2e^{-}=\mathrm{Fe}. Como potencial de redução padrão dessa equação é E^{\circ}=-0,44\\ \mathrm{V}, mantemos esse E^{\circ} como valor de referência para o cálculo (lembrando que no ânodo a reação ocorre no sentido inverso).
  • O oxigénio dissolvido na água age como cátodo, reduzindo‑se segundo \mathrm{O}_{2}+\mathrm{H}_{2}\mathrm{O}+4e^{-}=4\mathrm{OH}^{-} com E^{\circ}=0,40\\ \mathrm{V}.
Calculamos então o potencial padrão da célula:
E_{\text{cel}}^{\circ}=E_{\text{cátodo}}^{\circ}-E_{\text{ânodo}}^{\circ}=0,40-(-0,44)=0,84\\ \mathrm{V}.áâ
Como E_{\text{cel}}^{\circ}=0,84\\ \mathrm{V}>0, a corrosão do ferro é termodinamicamente espontânea quando existe \mathrm{O}_{2} presente. Interpretação física simples: o ferro perde electrões facilmente, esses electrões são aceites pelo oxigénio dissolvido formando \mathrm{OH}^{-}, e a água serve como eletrólito que permite o movimento de iões. Por isso o ferro enferruja com facilidade no ar úmido.

Passo 4

Caso sem oxigénio (apenas água úmida, \mathrm{O}_{2} ausente):
  • O ânodo continua sendo a oxidação do ferro (inversa da equação dada para \mathrm{Fe}^{2+}/\mathrm{Fe} com E^{\circ}=-0,44\\ \mathrm{V}).
  • Como não há \mathrm{O}_{2} disponível, a redução possível é a redução da água produzindo hidrogénio gasoso: 2\mathrm{H}_{2}\mathrm{O}+2e^{-}=\mathrm{H}_{2}+2\mathrm{OH}^{-} com E^{\circ}=-0,82\\ \mathrm{V}.
Calculamos o potencial padrão da célula para esse par:
E_{\text{cel}}^{\circ}=E_{\text{cátodo}}^{\circ}-E_{\text{ânodo}}^{\circ}=(-0,82)-(-0,44)=-0,38\\ \mathrm{V}.áâ
Como E_{\text{cel}}^{\circ}=-0,38\\ \mathrm{V}<0, essa reação global, sob condições padrão, não é termodinamicamente espontânea; portanto a corrosão é muito reduzida. Em linguagem prática: reduzir água a \mathrm{H}_{2} (ganhar electrões) é energeticamente mais difícil do que reduzir \mathrm{O}_{2}, logo o ferro não “entrega” electrões tão facilmente se o aceitador eficiente ( \mathrm{O}_{2}) não estiver presente.

Passo 5

Por que ainda existe alguma corrosão mesmo sem \mathrm{O}_{2}? Três pontos importantes, explicados de forma prática:
  1. Condições reais não são as padrão: concentrações, pH, temperatura alteram os potenciais via equação de Nernst. Em especial, ácido local (por exemplo CO2 dissolvido formando ácido carbónico) aumenta a tendência à evolução de hidrogénio e pode tornar a corrosão mais possível.
  2. Cinética e superfícies: mesmo que a termodinâmica diga “não espontâneo” em padrão, defeitos na superfície, catalisadores, presença de iões e microcélulas locais permitem reações em pequena escala. A evolução de \mathrm{H}_{2} tem overpotencial, mas pode ocorrer em sítios ativos.
  3. Outros oxidantes ou microrganismos: sais, sulfatos, bactérias etc. podem atuar como aceitadores de electrões e favorecer corrosão anaeróbica localizada.
Resumo intuitivo: o oxigénio é um aceitador de electrões forte e permite um par redox com E_{\text{cel}}^{\circ} positivo (a corrosão é espontânea e rápida). Sem oxigénio, o aceitador disponível (redução da água a \mathrm{H}_{2}) tem potencial muito mais negativo, dando E_{\text{cel}}^{\circ} negativo e, portanto, corrosão muito mais lenta — só ocorrendo significativamente quando outras condições locais favorecem o processo.

Resposta

Com \mathrm{O}_{2}: E_{\text{cel}}^{\circ}=0,40-(-0,44)=0,84\\ \mathrm{V} → corrosão espontânea (rápida).
Sem \mathrm{O}_{2}: E_{\text{cel}}^{\circ}=(-0,82)-(-0,44)=-0,38\\ \mathrm{V} → não espontâneo em condições padrão (corrosão em pequena escala devido a não‑idealidades, pH local, cinética e outros oxidantes).

Exercícios relacionados