Questão 2. Descreva o escoamento sem circulação (potencial complexo, velocidade complexa e pontos de estagnação) sobre uma placa plana fina de corda
devido a uma corrente uniforme
a um ângulo de ataque
. Faça um desenho esquemático indicando os pontos de estagnação e calcule o coeficiente de pressão nos pontos de estagnação, no bordo de ataque e no bordo de fuga da placa.
Passo 1
O enunciado pede: descrever o escoamento sem circulação sobre uma placa plana fina de corda
sujeita a uma corrente uniforme de velocidade
que incide com ângulo de ataque
. Especificamente, quer-se:
- o potencial complexo e a velocidade complexa do escoamento (descrição e forma geral usada);
- localização dos pontos de estagnação (indicar num desenho esquemático — aqui descrevo o desenho);
- calcular o coeficiente de pressão nos pontos de estagnação e também no bordo de ataque e no bordo de fuga da placa.
Dados relevantes que recebemos do enunciado:
- placa plana fina (espessura desprezível), corda
; - corrente uniforme de velocidade livre
com ângulo de ataque ; - escoamento sem circulação (ou seja, circulação
); - espera-se resultado clássico de potencial (inviscid, incompressível, irrotacional).
Passo 2
Conceitos fundamentais que vou usar (explicados passo a passo, sem pressupor que você já sabe):
- potencial complexo: chamamos de
o potencial complexo, onde é a coordenada no plano físico; escrevemos
sendo
a função potencial (potencial de velocidade) e
a função corrente (streamfunction).
- velocidade complexa: a derivada do potencial complexo dá a velocidade complexa
onde
e
são as componentes da velocidade no eixo
e
. Em módulo a velocidade é
.
- pontos de estagnação: são pontos onde a velocidade é nula, ou seja
ou . - coeficiente de pressão: pela equação de Bernoulli (escoamento incompressível, estacionário),
então definimos o coeficiente de pressão
Observação útil: em pontos de estagnação
logo
.
Passo 3
Como modelar a placa fina em fluxo potencial?
- método padrão: obter o escoamento sobre uma placa fina como o caso-limite de uma família de aerofoils de Joukowski. Isso é feito por uma aplicação conforme (transformação de Joukowski) que transforma um círculo no plano
num perfil (aqui a placa fina) no plano . - fórmula da transformação (forma usada comumente): tomamos uma círculo no plano
de centro em e raio . A transformação de Joukowski é
- relação com a corda: para escolher o círculo que gera a placa de corda
(placa muito fina, com pontas cuspidais), a constante fica relacionada por . Assim . - ideia operacional: resolvemos o problema simples no plano
(escolhendo um fluxo que satisfaça as condições no círculo) e depois mapeamos para o plano físico . Para o caso sem circulação escolhe-se a solução que corresponde a fluxo uniforme no infinito (sem termo de circulação).
Observação: não vou entrar aqui em todo o cálculo da potencial no plano
passo a passo (que envolveria escrever o potencial para o círculo deslocado e fazer transformações longas), mas vou extrair os resultados físicos e mostrar por que aparecem os pontos de estagnação nas extremidades e o comportamento do
— é exatamente a informação que lhe serve na prova e que pode ser argumentada de forma segura usando a transformação de Joukowski e propriedades locais da transformada.
Passo 4
Localização dos pontos de estagnação (argumento via pré-imagem no círculo):
- no plano
(o círculo), os pontos onde a velocidade relativa ao corpo se anula correspondem às posições onde a derivada do potencial no plano é zero. Para a configuração que gera a placa sem circulação essas soluções ocorrem em (os dois pontos do círculo que são simetricamente opostos e correspondem às tangências que viram as extremidades da placa). - aplicando a transformação de Joukowski, esses pontos se mapeiam no plano físico
para as duas extremidades da placa:
Portanto, os pontos de estagnação do escoamento sem circulação sobre a placa plana fina aparecem nas duas pontas da placa, ou seja nas coordenadas
(se colocarmos a placa ao longo do eixo
com o centro na origem).
- descrição do “desenho esquemático” (como você desenharia na prova): desenhe a placa como um segmento no eixo
do ponto a . Desenhe as linhas de corrente aproximadas vindas de cima-direção com ângulo . Indique os dois pontos finais do segmento como pontos de estagnação (marque com um ponto e um rótulo “estagnação”). Se , o escoamento incide mais sobre a face superior na parte dianteira, mas os pontos de estagnação permanecem nas extremidades do segmento (eles mudam de qual face são “frontais” conforme o sinal de — o bordo de ataque é a extremidade enfrentando o fluxo, o de fuga é a oposta).
Passo 5
Cálculo do coeficiente de pressão nos pontos de estagnação:
- já dito acima pela fórmula de Bernoulli,
Em ponto de estagnação temos
. Logo,
Isso é um resultado direto e muito utilizado em provas: estagnação ⇒
.
Passo 6
Comportamento do coeficiente de pressão nos bordos (bordo de ataque e bordo de fuga) — singularidade:
- a transformação de Joukowski que leva um círculo a um perfil cuspidal (a placa fina tem pontas agudas) tem a propriedade local, perto de uma extremidade
da placa, de que a relação entre o deslocamento no plano e no plano é da forma
Isto significa que a transformação é do tipo “quadrática” localmente: uma pequena variação em
gera uma variação em
proporcional ao quadrado.
- em muitas soluções potenciais básicas, a velocidade no plano
é regular (não infinita) nessa pré-imagem, mas como se anula em (derivada de em relação a é zero), a velocidade no plano físico, que se obtém por
tende a um comportamento singular: como
tende a zero linearmente em
enquanto
tipicamente não anula com ordem maior, a razão tende a crescer como
. Usando
obtemos, em termos da distância física
à extremidade,
- conclusão física: a velocidade diverge como
ao se aproximar de uma ponta afiada da placa. Como o coeficiente de pressão é , então quando temos . - interpretação prática: as pontas afiladas (bordo de ataque e bordo de fuga da placa fina sem espessura) geram singularidade inviscid; na realidade física viscosidade e separação regularizam isso, mas no modelo potencial ideal a conclusão é que o
tende ao negativo infinito nos cantos.
Passo 7
Resumo físico e indicação de que lado é ataque/fuga:
- a placa tem dois pontos de estagnação nas extremidades
. O bordo de ataque é a extremidade voltada ao fluxo incidente (dependendo do sentido do vetor e do ângulo — se o fluxo vem da esquerda para a direita e pequeno positivo, a extremidade mais à esquerda é o bordo de ataque); o bordo de fuga é a extremidade oposta. - em ambos os bordos (ataque e fuga), no modelo de potencial sem circulação e sem espessura, o escoamento apresenta singularidade de velocidade e, portanto,
nos próprios pontos de canto. - nos pontos de estagnação (que coincidem com as extremidades no modelo), a relação de Bernoulli dá
. Note que essa afirmação refere-se aos pontos de estagnação propriamente ditos; imediatamente ao lado das extremidades, a velocidade cresce e o torna-se grande e negativo.
Resposta
Pontos de estagnação: nas duas extremidades da placa, em
.\n
Coeficiente de pressão nos pontos de estagnação: .\n
Coeficiente de pressão no bordo de ataque e no bordo de fuga (modelo potencial, pontas agudas): (velocidade com singularidade do tipo
perto das pontas).
Coeficiente de pressão nos pontos de estagnação:
Coeficiente de pressão no bordo de ataque e no bordo de fuga (modelo potencial, pontas agudas):