Questão 4. Determine o efeito de um vórtice \Gamma_{v} posicionado a uma distância ao longo da linha de corda igual D-0,5 c do bordo de fuga de uma placa plana submetida ao escoamento uniforme U_{\infty} com ângulo de ataque \alpha sobre a sustentação gerada pela placa. Compare também o valor de C_{p} em um ponto no extradorso da placa a uma distância de 5 \% da corda em relação ao bordo de ataque nas condição sem e com o vórtice e repita a comparação para outro ponto no extradorso a uma distância de 95 \% da corda em relação ao bordo de ataque. Considere D=0,3 c e \Gamma_{v} positivo e igual a 20 \% da circulação em torno da placa.

Passo 1

Vou esclarecer com calma o que o enunciado nos dá e o que pede — sem resolver nada ainda.
  • O que o enunciado pergunta:
    1. Determinar o efeito de um vórtice \Gamma_{v} posicionado ao longo da linha de corda sobre a sustentação gerada pela placa plana (ou seja, quanto a sustentação muda).
    2. Comparar os valores de coeficiente de pressão C_{p} no extradorso (superfície superior) em dois pontos: um em 5\% da corda ( x=0{,}05c) e outro em 95\% da corda ( x=0{,}95c), nas condições sem e com o vórtice.
  • Dados fornecidos (importantes):
    • Escoamento uniforme de velocidade \;U_{\infty}\; e ângulo de ataque \;\alpha\; (assumimos \alpha pequeno — hipótese típica).
    • A intensidade do vórtice é \Gamma_{v} positiva e igual a 20\% da circulação em torno da placa.
    • Foi dado D=0{,}3\,c.
    • Localização do vórtice: o enunciado diz “posicionado a uma distância ao longo da linha de corda igual D-0,5c do bordo de fuga” — isso está ambíguo. Para poder calcular números, vou adotar uma interpretação plausível e explicá-la claramente (se você tiver outra interpretação, posso refazer): eu interpreto que o vórtice está a montante do bordo de fuga, na posição longitudinal medida a partir da borda de ataque igual a
    x_v = 0{,}5c + D = 0{,}8c,
    ou seja, o vórtice está em 80\% da corda a partir do bordo de ataque (próximo do bordo de fuga). Também vou assumir que o vórtice fica acima do extradorso a uma distância normal à corda igual a y_v = D = 0{,}3c. Justifico: usamos D como distância normal típica e a escolha x_v=0{,}8c é coerente com “próximo ao bordo de fuga”; essa escolha evita distâncias negativas e permite obter resultados numéricos interpretáveis.
  • Resumo das hipóteses que vou usar (claras e necessárias):
    • Placa fina tratada por teoria de aerofólio fino (thin airfoil theory): circulação ligada à placa sem vórtice \Gamma_{p} = 2\pi U_{\infty} c \alpha (válido para \alpha pequeno).
    • \Gamma_{v} = 0{,}2\,\Gamma_{p} (dado).
    • Vórtice localizado em x_v = 0{,}8c, y_v = 0{,}3c.
    • Usarei superposição linear (campo de velocidade é soma do escoamento uniforme + induzido pelo vórtice) e linearização de Bernoulli para pequenas perturbações quando calcular \Delta C_p.

Passo 2

Vou explicar o método que vou usar e por quê (passo a passo didático, sem pular etapas):
  • Método para a sustentação: pela teoria de Kutta–Joukowski, para fluxo bidimensional a sustentação por unidade de envergadura é L' = \rho U_{\infty} \Gamma_{\text{efetiva}},onde \Gamma_{\text{efetiva}} é a circulação efetiva ligada ao aerofólio. A presença do vórtice externo cria um campo de velocidade adicional sobre a placa; esse campo altera a distribuição de velocidade tangencial na superfície e, por integração da pressão perturbada, dá uma variação de sustentação. Uma forma direta (e padrão) é calcular a variação de sustentação \Delta L' integrando o efeito do campo induzido sobre a placa: \Delta L' = \rho U_{\infty} \int_{0}^{c} u_{\text{ind}}(x)\, dx,onde u_{\text{ind}}(x) é a componente tangencial da velocidade induzida pelo vórtice na superfície (obtida por Biot–Savart). Esse procedimento é apropriado porque, linearmente, a mudança de pressão está ligada ao u_{\text{ind}} e a integração dá a força resultante.
  • Método para C_p pontual: a velocidade local tangencial sobre o extradorso sem vórtice (solução da teoria do aerofólio fino) dá um C_{p,0}. A presença do vórtice adiciona um u_{\text{ind}} e, linearizando para perturbações pequenas, a variação de C_p é aproximadamente \Delta C_p \approx -2\,\frac{u_{\text{ind}}}{U_{\infty}},porque C_p = 1-(V/U_{\infty})^{2} e, para V=U_{\infty}+u_{\text{ind}} com u_{\text{ind}}\ll U_{\infty}, temos C_p \approx -2 u_{\text{ind}}/U_{\infty} (descontando termos quadráticos). Esta aproximação é usada amplamente em perturbações de baixa amplitude e é adequada para nosso caso educacional.
  • Justificativa da escolha: essa abordagem usa conceitos básicos (Biot–Savart, Kutta–Joukowski, linearização de Bernoulli), são ferramentas ensinadas cedo e permitem obter resultados numéricos com poucas hipóteses. É manejável em prova e dá respostas físicas interpretáveis.

Passo 3

Expressões iniciais e circulação de referência (só álgebra direta):
  • Circulação ligada à placa (teoria do aerofólio fino, para \alpha pequeno): \Gamma_{p} = 2\pi\, U_{\infty}\, c\, \alpha.
  • Vórtice dado: \Gamma_{v} = 0{,}2\,\Gamma_{p} = 0{,}2\cdot(2\pi U_{\infty} c \alpha) = 0{,}4\pi\, U_{\infty} c \,\alpha.

Passo 4

Velocidade induzida por um vórtice pontual (Biot–Savart) — fórmula e não pulo etapas:
  • Considere o vórtice pontual de intensidade \Gamma_{v} localizado em (x_v,y_v). O campo de velocidade induzido por ele em um ponto (x,0) (na superfície da placa) tem componente tangencial (para a direção x) dada por (fórmula bi-dimensional padrão): u_{\text{ind}}(x) \;=\; \frac{\Gamma_{v}}{2\pi}\cdot \frac{y_v}{(x-x_v)^{2} + y_v^{2}}.Explico: essa expressão vem do campo de velocidade de um vórtice pontual \Gamma/(2\pi r) rotacional; ao projetar na direção tangencial sobre y=0 obtemos esse numerador com y_v.
  • Tornando adimensional (útil para substituir \Gamma_{v}): defina \xi = x/c, \xi_v = x_v/c, \eta = y_v/c. Substituindo \Gamma_{v}=0{,}4\pi U_{\infty} c \alpha e simplificando: \frac{u_{\text{ind}}(x)}{U_{\infty}} \;=\; \frac{\Gamma_{v}}{2\pi U_{\infty}} \cdot \frac{y_v}{(x-x_v)^{2} + y_v^{2}} \;=\; 0{,}2\,\alpha \cdot \frac{\eta}{(\xi-\xi_v)^{2} + \eta^{2}}.Observação: essa forma mostra que u_{\text{ind}}/U_{\infty} é proporcional a \alpha (porque \Gamma_{v}\propto\alpha) e que a geometria normalizada ( \xi,\eta,\xi_v) determina a distribuição.

Passo 5

Cálculo da variação de sustentação \Delta L' decorrente do vórtice (integração explícita):
  • A variação de força por unidade de envergadura pode ser obtida (linha de raciocínio já dada no Passo 2) por \Delta L' \;=\; \rho U_{\infty} \int_{0}^{c} u_{\text{ind}}(x)\, dx.Substituímos a expressão de u_{\text{ind}}(x): \Delta L' \;=\; \rho U_{\infty} \cdot \frac{\Gamma_{v}}{2\pi} \int_{0}^{c} \frac{y_v}{(x-x_v)^{2} + y_v^{2}}\, dx.
  • A integral \int \frac{y}{(x-x_v)^{2}+y^{2}} dx é conhecida e dá uma diferença de arctan: \int_{0}^{c} \frac{y_v}{(x-x_v)^{2} + y_v^{2}}\, dx \;=\; \left[ \arctan\!\left(\frac{x-x_v}{y_v}\right)\right]_{0}^{c} \;=\; \arctan\!\left(\frac{c-x_v}{y_v}\right) - \arctan\!\left(\frac{-x_v}{y_v}\right).Portanto \Delta L' \;=\; \rho U_{\infty}\,\frac{\Gamma_{v}}{2\pi}\,\Bigg\{\arctan\!\left(\frac{c-x_v}{y_v}\right) - \arctan\!\left(\frac{-x_v}{y_v}\right)\Bigg\}.
  • Agora substituímos \Gamma_{v}=0{,}2\,\Gamma_{p}=0{,}4\pi U_{\infty} c \alpha e dividimos pela sustentação original L'_0=\rho U_{\infty}\Gamma_{p}=\rho U_{\infty}(2\pi U_{\infty} c \alpha) para obter a variação relativa: \frac{\Delta L'}{L'_0} \;=\; \frac{\rho U_{\infty}\,\dfrac{\Gamma_{v}}{2\pi}\,\Delta\arctan} {\rho U_{\infty}\,\Gamma_{p}} \;=\; \frac{\Gamma_{v}}{2\pi\,\Gamma_{p}}\;\Delta\arctan.Como \Gamma_{v}=0{,}2\,\Gamma_{p}, isso simplifica para \frac{\Delta L'}{L'_0} \;=\; \frac{0{,}2}{2\pi}\;\Delta\arctan \;=\; \frac{0{,}2}{2\pi}\Bigg\{\arctan\!\left(\frac{c-x_v}{y_v}\right) - \arctan\!\left(\frac{-x_v}{y_v}\right)\Bigg\}.
  • Substituindo os valores numéricos (minha escolha: x_v=0{,}8c, y_v=0{,}3c):
    • \dfrac{c-x_v}{y_v} = \dfrac{0{,}2c}{0{,}3c} = 0{,}666\ldots \arctan(0{,}666\ldots)=0{,}5880 rad.
    • \dfrac{-x_v}{y_v} = \dfrac{-0{,}8c}{0{,}3c} = -2{,}666\ldots \arctan(-2{,}666\ldots)=-1{,}2120 rad.
    • Diferença: \Delta\arctan = 0{,}5880 - (-1{,}2120) = 1{,}8000 rad.
      Assim
    \frac{\Delta L'}{L'_0} = \frac{0{,}2}{2\pi}\cdot 1{,}8000 \approx 0{,}05732 \;\approx\; 5{,}73\% .
  • Interpretação direta: com as hipóteses adotadas, o vórtice com \Gamma_{v}=20\% da circulação da placa, localizado em x_v=0{,}8c,\;y_v=0{,}3c, aumenta a sustentação da placa em cerca de 5{,}7\%. (Aumenta porque \Gamma_v>0 e a integração resultou positiva.)

Passo 6

Cálculo do C_p nos pontos x=0{,}05c e x=0{,}95c, sem e com o vórtice — passo a passo e bem didático:
  • Primeiro: expressão do C_{p} sem vórtice (linha fina — teoria do aerofólio fino). A distribuição de vorticidade \gamma(\theta) para um aerofólio fino simétrico em \alpha é (fórmula padrão):
    \gamma(\theta) = 2 U_{\infty}\,\alpha\,\frac{1+\cos\theta}{\sin\theta},
    onde a coordenada \theta está relacionada a x por
    x = \frac{c}{2}(1-\cos\theta) \quad\Longrightarrow\quad \cos\theta = 1-2\frac{x}{c}.
    A relação entre \gamma e a velocidade tangencial na superfície superior é, na aproximação linear,
    V_{\text{upper}} \approx U_{\infty} + \frac{\gamma}{2},
    então, para pequenas perturbações, uma aproximação prática para C_p na superfície superior é
    C_{p,0} \approx -\frac{\gamma}{U_{\infty}} = -2\alpha\frac{1+\cos\theta}{\sin\theta}.
    (Expliquei: expandindo C_p=1-(V/U_{\infty})^{2} e desprezando termos de ordem \alpha^{2} chega-se a essa forma linear.)
  • Agora calculemos para os dois pontos (faço a conversão \cos\theta = 1-2\xi, com \xi=x/c):
    1. Para x=0{,}05c ( \xi=0{,}05):
      • \cos\theta = 1-2\cdot 0{,}05 = 0{,}90.
      • \sin\theta = \sqrt{1-\cos^{2}\theta} = \sqrt{1-0{,}9^{2}} = \sqrt{1-0{,}81} = \sqrt{0{,}19} \approx 0{,}43589.
      • \dfrac{1+\cos\theta}{\sin\theta} = \dfrac{1+0{,}9}{0{,}43589} = \dfrac{1{,}9}{0{,}43589} \approx 4{,}3579.
      • Logo C_{p,0}(0{,}05c) \approx -2\alpha\cdot 4{,}3579 \approx -8{,}7158\,\alpha.
    2. Para x=0{,}95c ( \xi=0{,}95):
      • \cos\theta = 1-2\cdot 0{,}95 = -0{,}90.
      • \sin\theta = \sqrt{1-(-0{,}9)^{2}} = 0{,}43589 (mesmo valor numérico).
      • \dfrac{1+\cos\theta}{\sin\theta} = \dfrac{1-0{,}9}{0{,}43589} = \dfrac{0{,}1}{0{,}43589} \approx 0{,}2295.
      • Logo C_{p,0}(0{,}95c) \approx -2\alpha\cdot 0{,}2295 \approx -0{,}4590\,\alpha.
  • Agora a variação \Delta C_p causada pelo vórtice, usando a linearização indicada:
    \Delta C_p \approx -2\,\frac{u_{\text{ind}}}{U_{\infty}} \quad\text{com}\quad \frac{u_{\text{ind}}}{U_{\infty}} = 0{,}2\,\alpha \cdot \frac{\eta}{(\xi-\xi_v)^{2} + \eta^{2}},
    onde adotamos \eta = y_v/c = 0{,}3 e \xi_v = x_v/c = 0{,}8.
    Calculemos \Delta C_p em cada ponto:
    1. Em \xi=0{,}05:
      • \xi-\xi_v = 0{,}05 - 0{,}8 = -0{,}75.
      • (\xi-\xi_v)^{2} + \eta^{2} = 0{,}75^{2} + 0{,}3^{2} = 0{,}5625 + 0{,}09 = 0{,}6525.
      • \dfrac{u_{\text{ind}}}{U_{\infty}} = 0{,}2\alpha \cdot \dfrac{0{,}3}{0{,}6525} = 0{,}2\alpha\cdot 0{,}459\ldots \approx 0{,}09180\,\alpha.
      • \Delta C_p \approx -2\cdot 0{,}09180\,\alpha \approx -0{,}1836\,\alpha.
      Então
      C_{p,\text{com}}(0{,}05c) = C_{p,0}(0{,}05c) + \Delta C_p \approx -8{,}7158\,\alpha - 0{,}1836\,\alpha = -8{,}8994\,\alpha.
    2. Em \xi=0{,}95:
      • \xi-\xi_v = 0{,}95 - 0{,}8 = 0{,}15.
      • (\xi-\xi_v)^{2} + \eta^{2} = 0{,}15^{2} + 0{,}3^{2} = 0{,}0225 + 0{,}09 = 0{,}1125.
      • \dfrac{u_{\text{ind}}}{U_{\infty}} = 0{,}2\alpha \cdot \dfrac{0{,}3}{0{,}1125} = 0{,}2\alpha\cdot 2{,}666\ldots \approx 0{,}53333\,\alpha.
      • \Delta C_p \approx -2\cdot 0{,}53333\,\alpha = -1{,}06667\,\alpha.
      Então
      C_{p,\text{com}}(0{,}95c) = C_{p,0}(0{,}95c) + \Delta C_p \approx -0{,}4590\,\alpha - 1{,}0667\,\alpha = -1{,}5257\,\alpha.
  • Interpretação numérica e física:
    • No ponto perto do bordo de ataque ( 5\% da corda) a variação de C_p é pequena em relação ao valor base: C_p passa de -8{,}716\,\alpha para -8{,}899\,\alpha — mudança de cerca de 2{,}1\% do valor absoluto. Isso acontece porque o vórtice está relativamente longe em x (distância longitudinal grande), logo sua influência local é fraca.
    • No ponto perto do bordo de fuga ( 95\% da corda) a variação é significativa: C_p vai de -0{,}459\,\alpha para -1{,}526\,\alpha — um aumento grande em magnitude. Explicação física: o vórtice está localizado próximo desse ponto (longitudinalmente), então induz uma velocidade tangencial forte ali, modificando muito C_p.

Passo 7

Resumo físico final e comentário de prova (motivação + coragem):
  • Concluímos com as hipóteses dadas (e com a interpretação explícita da posição do vórtice): o vórtice positivo com intensidade igual a 20\% da circulação ligada ao aerofólio aumenta a sustentação da placa em cerca de 5{,}7\%. O efeito espacial não é uniforme: perto do bordo de ataque o C_p praticamente não muda; perto do bordo de fuga a mudança é grande porque o vórtice está próximo.
  • Observação importante: se você alterar a posição vertical y_v ou longitudinal x_v do vórtice as parcelas numéricas mudam — o procedimento permanece o mesmo (usar Biot–Savart para u_{\text{ind}}, integrar para \Delta L' e linearizar para \Delta C_p). Se preferir, eu refaço os cálculos para outra interpretação da posição do vórtice (por exemplo y_v menor ou x_v diferente).
  • Força extra de ânimo: está difícil no começo, mas esse tipo de problema é só aplicação de Biot–Savart + integração + linearização; você já fez o mais complicado agora. Vamos que dá tempo de treinar mais uns exemplos parecidos!

Resposta

Aumenta a sustentação em aproximadamente 5{,}73\%.\n
C_{p} em x=0{,}05c sem vórtice: C_{p,0}(0{,}05c) \approx -8{,}7158\,\alpha.\n
C_{p} em x=0{,}05c com vórtice: C_{p,\text{com}}(0{,}05c) \approx -8{,}8994\,\alpha.\n
C_{p} em x=0{,}95c sem vórtice: C_{p,0}(0{,}95c) \approx -0{,}4590\,\alpha.\n
C_{p} em x=0{,}95c com vórtice: C_{p,\text{com}}(0{,}95c) \approx -1{,}5257\,\alpha.

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