Situação problema 2.

O Ramipril é um inibidor da enzima conversora de angiotensina (ECA) administrado em pacientes com alto risco de eventos cardiovasculares. Em um ensaio clínico randomizado publicado no periódico The New England Journal of Medicine (2000), 9.297 pacientes foram acompanhados para avaliação de desfechos clínicos. A Tabela abaixo apresenta os principais resultados para eventos cardiovasculares, óbitos por causas não cardiovasculares e mortalidade por todas as causas.
Para este estudo, foi previamente definida uma Redução Mínima Clinicamente Importante (RMCI) de 15% no risco relativo (RR) para considerar os efeitos do tratamento como clinicamente relevantes.
Tabela 3. Incidência de desfechos primários e óbitos a partir de diversas causas.
DESFECHOS Grupo Ramipril ( \mathrm{n}=4.645 ) Grupo Placebo ( \mathrm{n}=4.652 ) Risco Relativo (I.C 95%)
Casos (%) Casos (%)
Evento cardiovascular (incluindo óbitos) 651 (14) 826(17,8) 0,78 (0,70-0,86)
Óbitos por eventos nãocardiovasculares 200(4,3) 192(4,1) 1,03 (0,85-1,26)
Óbitos a partir de diversas causas 482(10,4) 569(12,2) 0,84 (0,75-0,95)
Interprete os principais achados do estudo, considerando tanto a significância estatística quanto a relevância clínica com base na RMCI.
  1. A magnitude da redução é clinicamente relevante? Por quê?
  2. Com base nas métricas estimadas, os resultados sugerem o risco de dano em algum desfecho? Por quê?
  3. Com base nos dados fornecidos para o desfecho “evento cardiovascular (incluindo óbitos)”, calcule a redução absoluta do risco (RAR) e o número necessário para tratar (NNT).
Em seguida, interprete os resultados em termos práticos:
  • O que esses valores indicam sobre o impacto do Ramipril no cuidado clínico de pacientes de alto risco?
  • Mesmo com uma boa redução relativa, os efeitos absolutos justificam o uso do medicamento? Por quê?

Passo 1

O enunciado traz um ensaio clínico randomizado com 9.297 pacientes divididos em dois grupos (Ramipril versus placebo) e relata, para três desfechos, o risco relativo (RR) com intervalo de confiança de 95\%. Foi definida uma Redução Mínima Clinicamente Importante (RMCI) de 15\% em RR para considerar o efeito clinicamente relevante. Vamos:
  • Comparar a magnitude observada em cada RR com a RMCI.
  • Verificar se há indício de dano (RR> 1 e significativo).
  • Calcular para “evento cardiovascular (incluindo óbitos)” a redução absoluta do risco (RAR) e o número necessário para tratar (NNT).
  • Interpretar o impacto prático desses cálculos.

Passo 2

Verificação da relevância clínica da redução em “evento cardiovascular”. O RR é 0,78 com IC 95\% de (0,70\text{–}0,86). Isso significa uma redução de 1 - 0,78 = 0,22 ou 22\% no risco relativo. Como 22\% > RMCI de 15\%, a magnitude da redução é clinicamente relevante.

Passo 3

Avaliação de possível risco de dano em outros desfechos:
  • “Óbitos por eventos não cardiovasculares”: RR =1,03 (IC 0,85\text{–}1,26). O IC inclui 1, logo não é estatisticamente significativo e não indica aumento de risco.
  • “Óbitos a partir de diversas causas”: RR =0,84 (IC 0,75\text{–}0,95). Aqui há redução significativa, mas o IC indica benefício, não dano.
    Portanto, não há sugestão de risco de dano para nenhum desfecho.

Passo 4

Cálculo da redução absoluta do risco (RAR) e do número necessário para tratar (NNT) em “evento cardiovascular”:
\text{RAR} = \text{risco}_{\text{placebo}} - \text{risco}_{\text{Ramipril}}
\text{RAR} = 0{,}178 - 0{,}14 = 0{,}038
\text{NNT} = \frac{1}{\text{RAR}} = \frac{1}{0{,}038} \approx 26{,}3 \approx 27

Passo 5

Interpretação prática:
  • Tratar 27 pacientes com Ramipril durante o período do estudo evita, em média, um evento cardiovascular.
  • Embora a redução relativa de 22\% seja boa, o ganho absoluto ( 3{,}8\%) é modesto. Em populações de alto risco, esse benefício absoluto costuma justificar o uso, pois o desfecho prevenido é grave (evento cardiovascular).

Resposta

1. Sim. A redução de 22\% no risco relativo (RR = 0,78) excede a RMCI de 15\%.
2. Não. Não há indício de dano: o RR para óbitos não cardiovasculares é 1,03 com IC incluindo 1.
3. RAR = 3,8\% e NNT \approx 27.
Em termos práticos, espera-se prevenir um evento cardiovascular para cada 27 pacientes tratados, um benefício absoluto modesto mas clinicamente justificável em pacientes de alto risco.

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