Admitindo-se que a solução formada pelos componentes da reação em fase líquida
A+B \rightleftharpoons 2 C
Se comporte como ideal, obtenha:
a) A variação da conversão de equilíbrio com a temperatura
b) O intervalo de temperatura na qual o grau de conversão se mantém acima de 60 \%
Considere uma composição inicial de 3 mols de A , 2 mols de B e que todos os calores específicos sejam aproximadamente iguais da água
Dados:
\Delta \mathrm{H}^{\circ}{ }_{298}=-15000 \mathrm{cal} / \mathrm{mol} ; \Delta \mathrm{G}^{\circ}{ }_{298}=-2500 \mathrm{cal} / \mathrm{mol}

Passo 1

O enunciado pede duas coisas:
  1. (a) Obter a variação da conversão de equilíbrio com a temperatura.
  2. (b) Determinar o intervalo de temperatura no qual o grau de conversão se mantém acima de 60\%.
Dados fornecidos (vou listar tudo explicitamente):
  • Reação: \,A + B \rightleftharpoons 2\,C\,.
  • Composição inicial: n_{A,0}=3 mol, n_{B,0}=2 mol, n_{C,0}=0 mol.
  • Admitir que a solução se comporta como ideal (atividades = frações molares).
  • \Delta H^\circ_{298} = -15000 cal/mol.
  • \Delta G^\circ_{298} = -2500 cal/mol.
  • Todos os calores específicos ≈ calor específico da água (isso justifica tratar \Delta H^\circ aproximadamente constante com a temperatura).
  • Constante dos gases (em unidades compatíveis com calorias): R=1{,}987 cal·mol ^{-1}·K ^{-1}.
  • Temperatura de referência: T_0=298 K.
Observação: o enunciado não especificou qual definição de “grau de conversão” usar; eu vou definir claramente a conversão no Passo 2 antes de começar a resolver.

Passo 2

Definição da variável de conversão que vou usar (importante para montar as contas):
  • Vou definir o grau de conversão \alpha como a fração molar do reagente B consumida, ou seja
\alpha=\frac{\xi}{n_{B,0}},
onde \xi é o avanço (mols reagidos). Justifico esta escolha porque B é o reagente limitante inicial ( n_{B,0}=2<n_{A,0}=3), e é comum medir a conversão em relação ao reagente limitante — isso evita confusão com “máxima conversão” superior a 100\%. Assim \alpha varia entre 0 (nenhuma reação) e 1 (todo B consumido).
Relação entre \xi e \alpha:
\xi = n_{B,0}\,\alpha = 2\alpha.

Passo 3

Escrever as quantidades na condição de equilíbrio (contagem de mols) e as frações molares (porque solução ideal → atividades ≈ frações molares).
Mols em equilíbrio:
\begin{aligned} n_A &= n_{A,0}-\xi = 3 - 2\alpha,\\[4pt] n_B &= n_{B,0}-\xi = 2 - 2\alpha,\\[4pt] n_C &= n_{C,0}+2\xi = 0 + 4\alpha. \end{aligned}
Número total de mols em equilíbrio:
n_{tot} = 3 + 2 + 0 + \xi = 5 + 2\alpha.
Fração molar de cada espécie (atividade aproximada):
\begin{aligned} x_A &= \frac{3-2\alpha}{5+2\alpha},\\[4pt] x_B &= \frac{2-2\alpha}{5+2\alpha}=\frac{2(1-\alpha)}{5+2\alpha},\\[4pt] x_C &= \frac{4\alpha}{5+2\alpha}. \end{aligned}
Equação da constante de equilíbrio (em termos de frações molares), para a reação A+B\rightleftharpoons 2C:
K_x(T)=\frac{x_C^2}{x_A\,x_B}.
Substituindo as frações molares (observe que os denominadores (5+2\alpha)^2 se cancelam):
\begin{aligned} K_x &= \frac{\left(\dfrac{4\alpha}{5+2\alpha}\right)^2}{\dfrac{(3-2\alpha)(2-2\alpha)}{(5+2\alpha)^2}} = \frac{16\alpha^2}{2(3-2\alpha)(1-\alpha)} = \frac{8\alpha^2}{(3-2\alpha)(1-\alpha)}. \end{aligned}
Expandindo o denominador (3-2\alpha)(1-\alpha)=3-5\alpha+2\alpha^2, obtemos a relação simples:
\boxed{\,K_x(T)=\frac{8\alpha^2}{\,3-5\alpha+2\alpha^2\,}\,.}
Essa equação relaciona a constante de equilíbrio K_x (dependente de T) com o grau de conversão \alpha. Na prova, se te derem K num T, basta resolver essa relação para \alpha.]

Passo 4

Encontrar K_x em T_0=298 K usando \Delta G^\circ_{298}.
Relação entre \Delta G^\circ e K (fórmula fundamental de equilíbrio químico):
\Delta G^\circ(T) = -R T \ln K_x(T).
Aplicando em 298 K:
\ln K_{298} = -\frac{\Delta G^\circ_{298}}{R\,T_0}.
Substituindo números ( \Delta G^\circ_{298}=-2500 cal/mol, R=1{,}987 cal·mol ^{-1}·K ^{-1}, T_0=298 K):
\ln K_{298} = -\frac{-2500}{1{,}987\cdot 298} = \frac{2500}{1{,}987\cdot 298}.
Calculemos:
1{,}987\cdot 298 \approx 592{,}83,
\ln K_{298} \approx \frac{2500}{592{,}83}\approx 4{,}216,
K_{298} \approx e^{4{,}216}\approx 67{,}8.
Portanto:
\boxed{\,K_{298}\approx 67{,}8\,.}
Essa constante indica que, a 298 K, a reação favorece produtos (K grande), o que significa conversão alta.

Passo 5

Expressão de K_x(T) para temperatura genérica usando a equação de van’t Hoff (assumindo \Delta H^\circ constante).
Equação integrada de van’t Hoff (ΔH aproximado constante):
\ln\frac{K(T)}{K_{298}} = -\frac{\Delta H^\circ}{R}\left(\frac{1}{T}-\frac{1}{298}\right).
Explicação rápida do que é cada termo:
  • \Delta H^\circ é a variação de entalpia padrão da reação (aqui -15000 cal/mol).
  • R é a constante dos gases.
  • K_{298} é a constante a 298 K (já calculada).
  • Essa fórmula diz como K muda com T. Para reação exotérmica ( \Delta H^\circ<0), K diminui com aumento de T — isso é o efeito de Le Chatelier.
Reescrevendo explicitamente:
\boxed{\, K(T) = K_{298}\,\exp\!\left[-\frac{\Delta H^\circ}{R}\!\left(\frac{1}{T}-\frac{1}{298}\right)\right] \,}
Observação numérica útil: com \Delta H^\circ=-15000 cal/mol, temos -\Delta H^\circ/R = 15000/1{,}987 \approx 7548.

Passo 6

Combinar as fórmulas e isolar \alpha como função de T.
Temos de um lado
K(T)=\frac{8\alpha^2}{3-5\alpha+2\alpha^2}.
Multiplicando, obtemos um polinômio em \alpha:
K(3-5\alpha+2\alpha^2)=8\alpha^2.
Colocando todos os termos no lado esquerdo:
(2K-8)\alpha^2 -5K\alpha +3K = 0.
Isto é uma equação quadrática em \alpha. Aplicando a fórmula de Bhaskara:
\alpha = \frac{5K \pm \sqrt{25K^2 -4(2K-8)(3K)}}{2(2K-8)}.
Simplificando o discriminante:
\Delta = 25K^2 -12K(2K-8)=K^2+96K,
então
\alpha = \frac{5K \pm \sqrt{K^2+96K}}{4(K-4)}.
Qual raiz escolher? Precisamos de 0\le\alpha\le1. Avaliando numericamente em K=K_{298}\approx 67{,}8 (ver Passo 4) verifica-se que a raiz com o sinal “+” dá \alpha>1 (não física), enquanto a raiz com o sinal “−” dá 0<\alpha<1. Portanto a raiz física é a que tem o sinal “−”.
Conclusão: a expressão da conversão de equilíbrio em função de T é
\boxed{\,\alpha(T)=\dfrac{5K(T)-\sqrt{K(T)^2+96\,K(T)}}{4\bigl(K(T)-4\bigr)}\,}
com
\boxed{\,K(T)=K_{298}\,\exp\!\left[-\dfrac{\Delta H^\circ}{R}\!\Bigl(\dfrac{1}{T}-\dfrac{1}{298}\Bigr)\right]\,.}
Essas duas fórmulas juntas dão a variação da conversão de equilíbrio com a temperatura. (Use \Delta H^\circ=-15000 cal/mol, K_{298}\approx 67{,}8, R=1{,}987 cal·mol ^{-1}·K ^{-1}.)

Passo 7

Exemplos numéricos para sentir o comportamento (isto ajuda a “ver” a variação com T):
  • Em T=298 K calculamos antes K_{298}\approx 67{,}8.
    Substituindo na fórmula de \alpha:
    \alpha(298\\ \mathrm{K}) \approx 0{,}915\quad(\text{ou }91{,}5\%).
    Ou seja, a 298 K o equilíbrio favorece muito C.
  • Em T=350 K (apenas um ponto para ver a tendência):
    calculando K(350) por van’t Hoff obtemos K(350)\approx 1{,}57 e então
    \alpha(350\\ \mathrm{K})\approx 0{,}465\quad(\text{ou }46{,}5\%).
    Assim vemos claramente que, ao aumentar T, a conversão diminui (comportamento esperado para reação exotérmica).

Passo 8

Parte (b): intervalo de temperatura em que \alpha>60\%.
Primeiro, ache o valor de K que corresponde a \alpha=0{,}60. A relação direta (Passo 3) é mais simples para isso:
K=\frac{8\alpha^2}{3-5\alpha+2\alpha^2}.
Substituindo \alpha=0{,}60:
\begin{aligned} \alpha^2 &= 0{,}36,\\\ \text{denominador } &= 3-5(0{,}60)+2(0{,}36)=3-3+0{,}72=0{,}72,\\\ K &= \frac{8\cdot 0{,}36}{0{,}72}=\frac{2{,}88}{0{,}72}=4. \end{aligned}
Portanto a condição \alpha>0{,}60 é equivalente a K(T)>4.
Agora usamos a equação de van’t Hoff para achar a temperatura T^* onde K(T^*)=4. Da fórmula:
\ln\frac{K(T^*)}{K_{298}} = -\frac{\Delta H^\circ}{R}\Bigl(\frac{1}{T^*}-\frac{1}{298}\Bigr).
Isolando 1/T^*:
\frac{1}{T^*} = \frac{1}{298} - \frac{R}{\Delta H^\circ}\ln\!\left(\frac{K(T^*)}{K_{298}}\right).
Substituindo K(T^*)=4, K_{298}\approx 67{,}8, \Delta H^\circ=-15000 cal/mol e R=1{,}987 cal·mol ^{-1}·K ^{-1}:
Calculemos numericamente:
\ln\!\left(\frac{4}{67{,}8}\right)=\ln(0{,}05912)\approx -2{,}827.
\frac{R}{\Delta H^\circ}=\frac{1{,}987}{-15000}\approx -1{,}3247\times 10^{-4}.
-\frac{R}{\Delta H^\circ}\ln\!\left(\frac{4}{67{,}8}\right)= -(-1{,}3247\times 10^{-4})(-2{,}827) = -0{,}0003745.
\frac{1}{T^*} = \frac{1}{298} - 0{,}0003745 \approx 0{,}0033557 - 0{,}0003745 = 0{,}0029812.
T^* \approx \frac{1}{0{,}0029812}\approx 335{,}4\\ \mathrm{K}.
Convertendo para Celsius: T^* \approx 335{,}4-273{,}15 \approx 62{,}3^\circ\mathrm{C}.
Interpretação: como a reação é exotérmica ( \Delta H^\circ<0), K diminui com o aumento de T. Então para T<T^* temos K>4 e, portanto, \alpha>0{,}60. Para T>T^* temos \alpha<0{,}60.

Resposta

(a) \displaystyle \alpha(T)=\dfrac{5K(T)-\sqrt{K(T)^2+96\,K(T)}}{4\bigl(K(T)-4\bigr)} com \displaystyle K(T)=K_{298}\exp\!\left[-\dfrac{\Delta H^\circ}{R}\!\Bigl(\dfrac{1}{T}-\dfrac{1}{298}\Bigr)\right], K_{298}\approx 67{,}8, \Delta H^\circ=-15000 cal/mol e R=1{,}987 cal·mol{-1}·K{-1}. Ex.: \alpha(298\\ \mathrm{K})\approx 0{,}915.
(b) \displaystyle T<335{,}4\\ \mathrm{K} (ou T<62{,}3^\circ\mathrm{C}).

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