Considere um planeta descrevendo uma órbita elíptica em torno do Sol, com as coordenadas escolhidas de modo que o plano do movimento tenha \theta=\pi / 2. Pela Eq.(7.1.15), em coordenadas polares ( r, \varphi ) no plano orbital a hamiltoniana escreve-se
H=T+V=\frac{1}{2 m}\left(p_{r}^{2}+\frac{p_{\varphi}^{2}}{r^{2}}\right)-\frac{k}{r}
com k>0. Aparentemente, o teorema do virial é válido quaisquer que sejam as variáveis canônicas empregadas. Mostre que, em termos das coordenadas polares ( r, \varphi ) e de seus momentos conjugados, a Eq. (7.3.3) toma a forma
2\langle T\rangle=-\langle V\rangle-\left\langle\frac{p_{\varphi}^{2}}{m r^{2}}\right\rangle
Comparando este resultado com (7.3.11), mostre que \left\langle p_{\varphi}^{2} / m r^{2}\right\rangle=0. Usando o fato de p_{\varphi} ser constante de movimento e diferente de zero para órbitas elípticas, conclua que \left\langle 1 / r^{2}\right\rangle=0. Argumente que este resultado é impossível. Examinando cuidadosamente a demonstração e as condições de validade do teorema do virial, explique as razões pelas quais o seu emprego em coordenadas polares conduz a um resultado absurdo (Chagas & Lemos 1981).

Passo 1

O enunciado pede para aplicar o teorema do virial à Hamiltoniana de um planeta em coordenadas polares
H=\frac{1}{2m}\Bigl(p_{r}^{2}+\frac{p_{\varphi}^{2}}{r^{2}}\Bigr)-\frac{k}{r},
mostrar que da forma geral obtemos
2\langle T\rangle=-\langle V\rangle-\Bigl\langle\frac{p_{\varphi}^{2}}{m\,r^{2}}\Bigr\rangle,
comparar esse resultado com a forma usual para potencial homogêneo de grau -1,
2\langle T\rangle=-\langle V\rangle,
e, daí, obter \langle p_{\varphi}^{2}/(m\,r^{2})\rangle=0, o que leva à contradição \langle1/r^{2}\rangle=0. Por fim, pergunta-se por que o teorema do virial falha em coordenadas polares. Vamos usar o formalismo de Poisson e as condições de validade do virial.

Passo 2

No formalismo canônico escolhemos o gerador do virial
G=\sum_{i}p_{i}q_{i}=p_{r}\,r+p_{\varphi}\,\varphi.
O teorema do virial afirma que, para sistema ligado e G limitado,
\bigl\langle\{G,H\}\bigr\rangle=0.
Calculamos o colchete de Poisson em (r,\varphi,p_{r},p_{\varphi}):
\{G,H\} =\frac{\partial G}{\partial r}\frac{\partial H}{\partial p_{r}} +\frac{\partial G}{\partial\varphi}\frac{\partial H}{\partial p_{\varphi}} -\frac{\partial G}{\partial p_{r}}\frac{\partial H}{\partial r} -\frac{\partial G}{\partial p_{\varphi}}\frac{\partial H}{\partial\varphi}.
Como \partial H/\partial\varphi=0 e \partial V/\partial r=k/r^{2}, tem-se:
\{G,H\} =r\frac{p_{r}}{m}+\varphi\frac{p_{\varphi}}{m\,r^{2}} -p_{r}\Bigl(-\frac{\partial V}{\partial r}\Bigr) -p_{\varphi}\,0 =\frac{p_{r}^{2}}{m}+\frac{p_{\varphi}^{2}}{m\,r^{2}}+r\frac{k}{r^{2}}.
Observando que T=\tfrac{1}{2m}(p_{r}^{2}+p_{\varphi}^{2}/r^{2}) e V=-k/r, reescrevemos:
\{G,H\}=2T+\frac{p_{\varphi}^{2}}{m\,r^{2}}+V.

Passo 3

Aplicando o virial \langle\{G,H\}\rangle=0 obtemos
0=2\langle T\rangle+\Bigl\langle\frac{p_{\varphi}^{2}}{m\,r^{2}}\Bigr\rangle+\langle V\rangle \quad\Longrightarrow\quad 2\langle T\rangle=-\langle V\rangle-\Bigl\langle\frac{p_{\varphi}^{2}}{m\,r^{2}}\Bigr\rangle.

Passo 4

Por outro lado, para potenciais homogêneos de grau -1 (caso newtoniano) temos da Eq. (7.3.11)
2\langle T\rangle=-\langle V\rangle.
Comparando com o resultado do passo anterior segue
-\langle V\rangle-\Bigl\langle\frac{p_{\varphi}^{2}}{m\,r^{2}}\Bigr\rangle = -\langle V\rangle \quad\Longrightarrow\quad \Bigl\langle\frac{p_{\varphi}^{2}}{m\,r^{2}}\Bigr\rangle=0.
Como p_{\varphi}\neq0 (órbita elíptica com momento angular constante), isso implica \langle1/r^{2}\rangle=0, o que é impossível porque 1/r^{2}>0 sempre.

Passo 5

A contradição aponta que alguma hipótese do teorema do virial foi violada ao usar coordenadas polares. Na demonstração padrão assume-se que (i) as variáveis canônicas q_{i} e p_{i} variam de -\infty a +\infty, e (ii) o gerador G=\sum p_{i}q_{i} permanece limitado ao longo do movimento, de modo que
\lim_{t_{2}-t_{1}\to\infty}\frac{G(t_{2})-G(t_{1})}{t_{2}-t_{1}}=0.
Em coordenadas polares \varphi é um ângulo que cresce indefinidamente (não está contido num intervalo finito): após cada volta \varphi\to\varphi+2\pi, logo G=p_{\varphi}\,\varphi diverge linearmente com o tempo. Portanto G não é limitado e não se pode desprezar o termo de contorno na média de \{G,H\}.

Resposta

O uso de coordenadas polares falha porque a coordenada angular \varphi não é limitada, fazendo G=p_{\varphi}\varphi divergir em cada volta. Assim não vale a condição essencial de que G permaneça limitado, e o teorema do virial não se aplica, levando ao resultado absurdo \langle1/r^{2}\rangle=0.

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