Dois pratos paralelos de área infinita, distando 0,7 \mathrm{~cm} entre si, são mantidos a 27^{\circ} \mathrm{C} e 25^{\circ} \mathrm{C}, respectivamente. Se o espaço entre os dois pratos contiver hélio, cujo diâmetro de colisão molecular é de 2,17 \AA Å, calcule o fluxo de calor que irá se estabelecer entre os mesmos.

Passo 1

O enunciado nos dá as seguintes informações:
  • Separação entre os pratos: 0,7\\ \mathrm{cm} (vou converter para metros mais adiante).
  • Temperaturas dos pratos: 27^\circ\mathrm{C} e 25^\circ\mathrm{C}.
  • Gás entre os pratos: hélio, com diâmetro de colisão molecular 2,17\\ \text{\AA}.
  • O enunciado pede o fluxo de calor que se estabelece entre os pratos (fluxo por unidade de área, i.e. densidade de fluxo térmico q'').\n
    Observações/assunções que vou adotar (não peço nada a você, apenas escolho um caso físico padrão): vou assumir pressão ambiente (pressão atmosférica) \displaystyle p=1,013\times 10^{5}\\ \mathrm{Pa}. Vou tratar o hélio como gás ideal monatomic em regime contínuo (Fourier), já que a separação é muito maior que o comprimento médio de livre percurso — essas hipóteses serão verificadas durante a resolução.

Passo 2

Estratégia e fórmula física básica. Para placas paralelas infinitas, em regime estacionário e unidimensional, o fluxo de calor por unidade de área obedece à lei de Fourier:
q'' = -k\,\frac{\Delta T}{L}
onde
  • q'' é o fluxo de calor por unidade de área ( \mathrm{W/m^{2}});
  • k é a condutividade térmica do gás ( \mathrm{W/(m\cdot K)});
  • \Delta T é a diferença de temperatura entre as placas;
  • L é a distância entre elas.\n
    Portanto precisamos estimar k para o hélio nas condições dadas. Vou usar a teoria cinética dos gases para obter k. A expressão de primeira aproximação (para gás diluído, monatomic) é:
k=\frac{1}{3}\,n\,c_v\,\bar{v}\,\lambda
onde
  • n é a densidade numérica (nº de partículas por volume, \mathrm{m^{-3}});
  • c_v é o calor específico por partícula (à volume constante), para gás monoatômico c_v=\tfrac{3}{2}k_B (onde k_B é a constante de Boltzmann);
  • \bar{v} é a velocidade média térmica das partículas;
  • \lambda é o comprimento médio de livre percurso.\n
    Substituindo c_v=\tfrac{3}{2}k_B obtemos a forma simplificada usada adiante:
k=\frac{1}{2}\,n\,\bar{v}\,\lambda\,k_B.
Vou explicar e calcular cada termo n,\\ \lambda,\\ \bar{v} passo a passo.

Passo 3

Converter dados e calcular temperaturas em Kelvin e \Delta T e L:
  • T_1=27^\circ\mathrm{C}=300,15\\ \mathrm{K}.
  • T_2=25^\circ\mathrm{C}=298,15\\ \mathrm{K}.
  • Vou usar a temperatura média para propriedades cinéticas: \displaystyle T_m=\frac{T_1+T_2}{2}=299,15\\ \mathrm{K}.
  • Diferença de temperatura: \displaystyle \Delta T=T_1-T_2=2\\ \mathrm{K}.
  • Separação: \displaystyle L=0,7\\ \mathrm{cm}=0,007\\ \mathrm{m}.
Agora calcular a densidade numérica n pelo gás ideal:
n=\frac{p}{k_B T_m}.
Usando p=1,013\times10^{5}\\ \mathrm{Pa} e k_B=1,380649\times10^{-23}\\ \mathrm{J/K},
n=\frac{1,013\times10^{5}}{1,380649\times10^{-23}\times 299,15} \approx 2,45\times10^{25}\\ \mathrm{m^{-3}}.

Passo 4

Calcular o comprimento médio de livre percurso \lambda. Para esferas duras (aproximação usual) a fórmula é
\lambda=\frac{1}{\sqrt{2}\,\pi\,d^{2}\,n},
onde d é o diâmetro de colisão. Converter d:
d=2,17\\ \text{\AA}=2,17\times10^{-10}\\ \mathrm{m}.
Substituindo em \lambda:
\lambda=\frac{1}{\sqrt{2}\,\pi\,(2,17\times10^{-10})^{2}\,(2,45\times10^{25})} \approx 1,95\times10^{-7}\\ \mathrm{m}.
Comentário físico rápido: \lambda\approx 1,95\times10^{-7}\\ \mathrm{m} é muito menor que L=7,0\times10^{-3}\\ \mathrm{m}, logo estamos bem no regime contínuo (Knudsen pequeno) e a lei de Fourier é aplicável.

Passo 5

Calcular a velocidade média térmica \bar{v}. Uma expressão comum para a velocidade média (média aritmética das velocidades) é
\bar{v}=\sqrt{\frac{8 k_B T_m}{\pi m}},
onde m é a massa de uma partícula de hélio. A massa de um átomo de hélio (aprox. 4 u) é
m=4\,u=4\times1,660539\times10^{-27}\\ \mathrm{kg}=6,642156\times10^{-27}\\ \mathrm{kg}.
Então
\bar{v}=\sqrt{\frac{8\times 1,380649\times10^{-23}\times 299,15}{\pi\times 6,642156\times10^{-27}}} \approx 1,258\times10^{3}\\ \mathrm{m/s}.

Passo 6

Calcular a condutividade k usando
k=\frac{1}{2}\,n\,\bar{v}\,\lambda\,k_B.
Substituindo os valores numéricos já calculados:
k=\tfrac{1}{2}\times(2,45\times10^{25})\times(1,258\times10^{3})\times(1,95\times10^{-7})\times(1,380649\times10^{-23}) \approx 4,15\times10^{-2}\\ \mathrm{W/(m\cdot K)}.
Breve comentário: esse valor é a previsão da teoria cinética na aproximação simples; valores experimentais tabulados para hélio a \sim 300\\ \mathrm{K} são maiores (por exemplo \sim 0,15\\ \mathrm{W/(m\cdot K)}), pois a teoria simplificada omite fatores de correção mais refinados (integrais de colisão, diferenças nas definições de velocidades médias etc.). Aqui vou prosseguir com a condutividade obtida pela derivação cinética porque o enunciado forneceu o diâmetro molecular — presumo que o objetivo seja aplicar a teoria cinética.

Passo 7

Calcular o fluxo de calor por unidade de área usando a lei de Fourier:
q''=k\,\frac{\Delta T}{L}.
Substituindo k\approx 4,15\times10^{-2}\\ \mathrm{W/(m\cdot K)}, \Delta T=2\\ \mathrm{K}, L=0,007\\ \mathrm{m},
q''=(4,15\times10^{-2})\times\frac{2}{0,007}\approx 11,9\\ \mathrm{W/m^{2}}.

Passo 8

Interpretação final e comentário de estudo. O fluxo de calor calculado pela aproximação cinética simples é q''\approx 11,9\\ \mathrm{W/m^{2}}. Lembre-se: se usássemos a condutividade experimental tabulada para o hélio à temperatura ambiente ( \sim 0,15\\ \mathrm{W/(m\cdot K)}), obteríamos um q'' maior, da ordem de 43\\ \mathrm{W/m^{2}}. A diferença mostra que fórmulas cinéticas simplificadas podem subestimar k por fatores numéricos finos; ainda assim o procedimento passo-a-passo acima é o método correto para estimar k a partir de dados microscópicos (diâmetro, massa, pressão, temperatura). Força aí — você conseguiu chegar ao resultado aplicando passo a passo a teoria cinética!

Resposta

11,9\\ \mathrm{W/m^{2}}

Exercícios relacionados