Uma esfera de raio a está carregada com uma densidade volumétrica de cargas
\rho=\frac{Q}{a r^{2}} \cos \theta,
num sistema de referência onde o eixo z passa pelo polo norte dela. Determine:
a) O momento de dipolo elétrico da esfera;
b) campo e o potencial num ponto sobre o eixo z muito distante da esfera;
c) campo e o potencial num ponto sobre o eixo x muito distante da esfera.
d) A mesma esfera é colocada numa região onde existe uma linha infinita carregada com uma carga de densidade uniforme \frac{Q}{a} a uma distância R \gg a (da linha ao centro da esfera). A posição da esfera é tal que seu vetor momento de dipolo é paralelo à linha carregada. Determine a energia necessária para girar a esfera de maneira que seu momento de dipolo fique perpendicular à linha.

Passo 1

O enunciado dá uma esfera de raio a com densidade volumétrica de carga
\rho(r,\theta)=\frac{Q}{a\,r^{2}}\cos\theta,
em coordenadas esféricas onde o eixo z passa pelo polo norte. Pede-se:
a) o momento de dipolo elétrico da esfera;
b) o potencial e o campo em um ponto sobre o eixo z muito distante da esfera ( z\gg a);
c) o potencial e o campo em um ponto sobre o eixo x muito distante da esfera ( x\gg a);
d) colocando-se a esfera próxima a uma linha infinita com densidade linear \lambda=\dfrac{Q}{a} a distância R\gg a (do centro da esfera até a linha), e com o momento de dipolo da esfera paralelo à linha, determinar a energia necessária para girar a esfera de modo que seu momento de dipolo fique perpendicular à linha.
Informações relevantes fornecidas:
  • Raio da esfera: a.
  • Densidade de carga: \rho(r,\theta)=\dfrac{Q}{a\,r^{2}}\cos\theta para 0\le r\le a.
  • Eixos: z atravessa o polo norte (logo a dependência em \cos\theta indica simetria em torno do eixo z).
  • Linha infinita com densidade linear \lambda=\dfrac{Q}{a} a distância R\gg a.
  • Aproximações pedidas: pontos muito distantes da esfera ( r\gg a) e R\gg a para a linha.

Passo 2

Conceito e fórmula do momento de dipolo: o momento de dipolo elétrico de uma distribuição contínua de carga é o vetor
\mathbf{p}=\int \mathbf{r}'\,\rho(\mathbf{r}')\,dV',
onde \mathbf{r}' é o vetor posição de cada elemento de volume e dV' é o volume diferencial. Aqui vamos calcular a componente ao longo de z (as outras serão zero por simetria) porque a densidade tem fator \cos\theta e é azimutalmente simétrica. Em coordenadas esféricas, o elemento de volume é
dV'=r'^{2}\sin\theta\,dr'\,d\theta\,d\varphi,
e a componente z de \mathbf{r}' é z'=r'\cos\theta. Portanto
p_{z}=\int r'\cos\theta\;\rho(r',\theta)\;dV'.

Passo 3

Substituímos \rho e dV' na expressão de p_{z}:
p_{z}=\int_{0}^{2\pi}\int_{0}^{\pi}\int_{0}^{a} \bigl(r'\cos\theta\bigr) \left(\frac{Q}{a\,r'^{2}}\cos\theta\right) \bigl(r'^{2}\sin\theta\,dr'\,d\theta\,d\varphi\bigr).
Agora simplificamos fatores de r':
\text{integrando:}\quad p_{z}=\frac{Q}{a}\int_{0}^{2\pi}d\varphi \int_{0}^{\pi}\cos^{2}\theta\sin\theta\,d\theta \int_{0}^{a} r'\,dr'.
Expliquei: o r'^{2} de dV' cancela o r'^{2} do denominador em \rho, sobrando um único fator r' da componente z'=r'\cos\theta.

Passo 4

Calculamos cada integral separadamente.
Radial:
\int_{0}^{a} r'\,dr'=\frac{a^{2}}{2}.
Azimutal:
\int_{0}^{2\pi} d\varphi = 2\pi.
Polar (muito comum; faço passo a passo): use u=\cos\theta, então du=-\sin\theta\,d\theta. Quando \theta vai de 0 a \pi, u vai de 1 a -1. Assim
\int_{0}^{\pi}\cos^{2}\theta\sin\theta\,d\theta = \int_{u=1}^{-1} u^{2}(-du) = \int_{-1}^{1} u^{2}\,du = \left[\frac{u^{3}}{3}\right]_{-1}^{1} = \frac{1^{3}-(-1)^{3}}{3}=\frac{2}{3}.

Passo 5

Juntando tudo:
p_{z}=\frac{Q}{a}\times(2\pi)\times\frac{2}{3}\times\frac{a^{2}}{2}.
Simplificando termos:
p_{z}=\frac{Q}{a}\cdot 2\pi\cdot\frac{2}{3}\cdot\frac{a^{2}}{2} = \frac{2\pi}{3}Q a.
Portanto o vetor momento de dipolo, que está ao longo do eixo z, é
\boxed{\displaystyle \mathbf{p}=\frac{2\pi}{3}Q a\,\hat{\mathbf{z}}.}

Passo 6

Agora a far-field (região muito distante, r\gg a) é dominada pelo termo dipolar (porque a carga total da esfera é zero — pode-se verificar integrando \rho sobre o volume, que dá zero). A expansão multipolar dá, para o potencial devido ao dipolo,
V(\mathbf{r})\simeq \frac{1}{4\pi\varepsilon_{0}}\frac{\mathbf{p}\cdot\hat{\mathbf{r}}}{r^{2}}
e o campo elétrico correspondente (do termo dipolar) em coordenadas esféricas é
E_{r}=\frac{1}{4\pi\varepsilon_{0}}\frac{2(\mathbf{p}\cdot\hat{\mathbf{r}})}{r^{3}},\qquad E_{\theta}=\frac{1}{4\pi\varepsilon_{0}}\frac{\mathbf{p}\cdot\hat{\boldsymbol{\theta}}}{r^{3}}.
Explicando: \hat{\mathbf{r}} é o versor radial, \hat{\boldsymbol{\theta}} é o versor polar; o potencial do dipolo depende de \mathbf{p}\cdot\hat{\mathbf{r}} e cai como 1/r^{2}; o campo resultante cai como 1/r^{3}.

Passo 7

Aplicamos isso para um ponto sobre o eixo z à distância z\gg a. Nesse caso \hat{\mathbf{r}}=\hat{\mathbf{z}} e \mathbf{p}\cdot\hat{\mathbf{r}}=p. Substituindo \mathbf{p}=\dfrac{2\pi}{3}Q a\,\hat{\mathbf{z}} obtemos o potencial:
V(z)\simeq \frac{1}{4\pi\varepsilon_{0}}\frac{p}{z^{2}} = \frac{1}{4\pi\varepsilon_{0}}\frac{\dfrac{2\pi}{3}Q a}{z^{2}} = \frac{Q a}{6\varepsilon_{0}}\frac{1}{z^{2}}.
E o campo axial (direção \hat{\mathbf{z}}) é
E_{z}(z)\simeq \frac{1}{4\pi\varepsilon_{0}}\frac{2p}{z^{3}} = \frac{Q a}{3\varepsilon_{0}}\frac{1}{z^{3}}\,\hat{\mathbf{z}}.
Observe que para pontos no eixo z o campo é puramente axial.

Passo 8

Agora para um ponto sobre o eixo x (plano equatorial da distribuição dipolar) a uma distância x\gg a. Nesse caso o ângulo polar é \theta=\tfrac{\pi}{2}, logo \mathbf{p}\cdot\hat{\mathbf{r}}=p\cos\theta=0. Portanto o potencial dipolar no ponto equatorial é nulo no termo dominante:
V(x)\simeq 0 \quad(\text{termo dipolar}).
O campo, contudo, tem componente \theta não nula; no plano equatorial E_{r}=0 e
E_{\theta}=\frac{1}{4\pi\varepsilon_{0}}\frac{p\sin\theta}{x^{3}}
com \sin\theta=1. Em coordenadas cartesianas, para um ponto em +x temos \hat{\boldsymbol{\theta}}=-\hat{\mathbf{z}}. Assim o campo é
\mathbf{E}(x)\simeq -\frac{1}{4\pi\varepsilon_{0}}\frac{p}{x^{3}}\,\hat{\mathbf{z}} = -\frac{Q a}{6\varepsilon_{0}}\frac{1}{x^{3}}\,\hat{\mathbf{z}}.
Resumindo: potencial praticamente zero (no primeiro termo não-nulo) e campo apontando na direção -\hat{\mathbf{z}} com magnitude \dfrac{Q a}{6\varepsilon_{0}x^{3}}.

Passo 9

Parte (d): campo gerado pela linha infinita e energia de interação com o dipolo.
Campo da linha infinita de densidade linear \lambda a distância R é radial (perpendicular à linha) e tem magnitude
E_{\text{linha}}=\frac{\lambda}{2\pi\varepsilon_{0}R}.
Aqui \lambda=\dfrac{Q}{a} (dado), logo
E_{\text{linha}}=\frac{Q}{2\pi\varepsilon_{0}aR}.
Energia de interação de um dipolo \mathbf{p} num campo elétrico uniforme \mathbf{E} é
U=-\mathbf{p}\cdot\mathbf{E}.
Como R\gg a, podemos aproximar o campo da linha por uniforme na escala da esfera e usar essa fórmula. Inicialmente o problema diz que \mathbf{p} está paralelo à linha; o campo da linha é perpendicular à linha, então inicialmente \mathbf{p}\perp\mathbf{E} e
U_{\text{inicial}}=0.
Ao girar a esfera de modo que \mathbf{p} fique perpendicular à linha, então \mathbf{p} fica paralelo (ou antiparalelo) a \mathbf{E}. Para a orientação paralela a \mathbf{E} temos
U_{\text{final}}=-pE_{\text{linha}},
para a orientação antiparalela (momento apontando na direção oposta ao campo) temos
U_{\text{final}}=+pE_{\text{linha}}.
A energia (trabalho) que o agente externo precisa fornecer para realizar a rotação lentamente é a variação \Delta U=U_{\text{final}}-U_{\text{inicial}}. Portanto:
  • Se o dipolo ficar alinhado com o campo (paralelo a \mathbf{E}), \Delta U=-pE_{\text{linha}} (energia diminui; o agente não precisa dar energia, o sistema libera energia).
  • Se o dipolo ficar anti-alinhado com o campo (oposto a \mathbf{E}), \Delta U=+pE_{\text{linha}} (é preciso fornecer energia igual a pE_{\text{linha}}).
Agora substituímos p=\dfrac{2\pi}{3}Q a e E_{\text{linha}}=\dfrac{Q}{2\pi\varepsilon_{0}aR}. O produto é
p\,E_{\text{linha}} =\left(\frac{2\pi}{3}Q a\right)\left(\frac{Q}{2\pi\varepsilon_{0}aR}\right) =\frac{Q^{2}}{3\varepsilon_{0}R}.
Portanto o módulo da variação de energia é \dfrac{Q^{2}}{3\varepsilon_{0}R}. Em palavras: girar de \mathbf{p}\parallel linha para \mathbf{p} perpendicular e apontando contra o campo exige fornecer energia +\dfrac{Q^{2}}{3\varepsilon_{0}R}; girar para a orientação paralela ao campo libera essa mesma quantidade de energia.

Resposta

(a) \displaystyle \mathbf{p}=\frac{2\pi}{3}Q a\,\hat{\mathbf{z}}.
(b) Para z\gg a: \displaystyle V(z)\simeq\frac{Q a}{6\varepsilon_{0}}\frac{1}{z^{2}},\qquad \mathbf{E}(z)\simeq\frac{Q a}{3\varepsilon_{0}}\frac{1}{z^{3}}\,\hat{\mathbf{z}}.
(c) Para x\gg a: \displaystyle V(x)\simeq 0,\qquad \mathbf{E}(x)\simeq -\frac{Q a}{6\varepsilon_{0}}\frac{1}{x^{3}}\,\hat{\mathbf{z}}.
(d) Com \lambda=Q/a e R\gg a, o campo da linha em R é \displaystyle E_{\text{linha}}=\frac{Q}{2\pi\varepsilon_{0}aR}. O produto pE_{\text{linha}}=\dfrac{Q^{2}}{3\varepsilon_{0}R}. Logo:
  • Para girar até a orientação perpendicular e anti-alinhada ao campo (orientação que aumenta a energia): energia necessária \displaystyle \Delta U=+\frac{Q^{2}}{3\varepsilon_{0}R}.
  • Para girar até a orientação perpendicular e alinhada ao campo (orientação que diminui a energia): \displaystyle \Delta U=-\frac{Q^{2}}{3\varepsilon_{0}R} (o sistema libera energia).

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