(2,0) A fluorita, C a F_{2}, possui uma constante de Madelung igual a 2,520 . Diversos compostos com estequiometria 1: 2 cristalizam na estrutura da fluorita (que é chamada de antifluorita no caso M_{2} X, como o \mathrm{Na}_{2} \mathrm{O}, o \mathrm{K}_{2} \mathrm{O} e o \mathrm{K}_{2} \mathrm{~S} ).
a) Construa o ciclo de Haber-Born para o fluoreto de cálcio, C a F_{2}, e estime sua entalpia de formação.
b) Coloque os compostos abaixo em ordem crescente de ponto de fusão. Justifique sucintamente.
\mathrm{Li}_{2} \mathrm{O}, \mathrm{Na}_{2} \mathrm{O}, \mathrm{~K}_{2} \mathrm{O}, \mathrm{CaF}_{2}, \mathrm{UO}_{2}

Passo 1

O enunciado tem duas partes: (a) construir o ciclo de Born–Haber para o fluoreto de cálcio e estimar sua entalpia padrão de formação; (b) ordenar, do menor para o maior ponto de fusão, os compostos \mathrm{Li_{2}O}, \mathrm{Na_{2}O}, \mathrm{K_{2}O}, \mathrm{CaF_{2}} e \mathrm{UO_{2}} e justificar sucintamente.
Informações dadas explicitamente: a constante de Madelung da estrutura da fluorita é 2,520.
Informações que precisaremos usar (valores tabelados usuais, listados no próximo passo): energia de sublimação de \mathrm{Ca(s)}, energias de ionização de \mathrm{Ca} (1ª e 2ª), energia de dissociação da \mathrm{F_{2}}, afinidade eletrônica do flúor \mathrm{F}, distância iônica Ca–F aproximada (raio iônico somado), e um expoente de Born n típico para estimar o termo repulsivo na equação de Born–Landé.
Nada do enunciado pede métodos específicos além do ciclo de Born–Haber; portanto vou usar o método padrão (Born–Haber + equação de Born–Landé) e valores tabulados aproximados para estimativa numérica.

Passo 2

Rápida explicação didática do método (Born–Haber e Born–Landé), com o ciclo para \mathrm{CaF_{2}}.
  • O ciclo de Born–Haber é uma contabilidade energética que liga a formação do sólido iônico a passos elementares: sublimar o metal, dissociar o halogênio, ionizar o metal, adicionar elétrons aos halogênios e formar a rede iônica (energia reticular). Somando energeticamente os passos alternativos obtemos a entalpia de formação.
  • A energia reticular (lattice energy) é a grande responsável pela estabilização do sólido iônico; pode ser estimada pela equação de Born–Landé:
U = -\frac{N_{A} M z^{+} z^{-} e^{2}}{4\pi\varepsilon_{0} r_{0}}\left(1-\frac{1}{n}\right),
onde cada símbolo significa:
N_{A} = número de Avogadro, M = constante de Madelung (dada: 2,520), z^{+} e z^{-} = cargas dos íons (para \mathrm{CaF_{2}}: z^{+}=+2,\;z^{-}=-1), e = carga do elétron, \varepsilon_{0} = permissividade do vácuo, r_{0} = distância iônica efetiva (soma de raios iônicos Ca{2+}+F-), e n = expoente de Born (controla a repulsão de curto alcance).
  • O ciclo de Born–Haber para \mathrm{CaF_{2}} em palavras (cada linha é um passo do ciclo):
    1. \mathrm{Ca(s)} \rightarrow \mathrm{Ca(g)} (sublimação).
    2. \mathrm{Ca(g)} \rightarrow \mathrm{Ca^{2+}(g)} + 2e^{-} (1ª e 2ª energias de ionização).
    3. \tfrac{1}{2}\mathrm{F_{2}(g)} \rightarrow \mathrm{F(g)} — mas como precisamos de 2 F basta usar \mathrm{F_{2}(g)}\rightarrow 2\mathrm{F(g)} (dissociação).
    4. \mathrm{F(g)} + e^{-} \rightarrow \mathrm{F^{-}(g)} (afinidade eletrônica, repetida para 2 F).
    5. \mathrm{Ca^{2+}(g)} + 2\mathrm{F^{-}(g)} \rightarrow \mathrm{CaF_{2}(s)} (energia reticular U, exotérmica).
      Somando as entalpias desses passos obtemos a entalpia padrão de formação \Delta H_{f}^{\circ}(\mathrm{CaF_{2}, s}).

Passo 3

Escolha dos valores numéricos e justificativa (usarei valores tabulados usuais, arredondados de forma consistente; sempre explico o porquê):
  • Madelung: M=2,520 (dado).
  • Sublimação do cálcio: \Delta H_{\mathrm{sub}}(\mathrm{Ca}) \approx +178\\ \mathrm{kJ\,mol^{-1}}. (valor tabelado típico).
  • Energias de ionização do cálcio: \mathrm{IE}_{1}\approx +590\\ \mathrm{kJ\,mol^{-1}} e \mathrm{IE}_{2}\approx +1\,145\\ \mathrm{kJ\,mol^{-1}}. Soma: \mathrm{IE}_{1}+\mathrm{IE}_{2}\approx +1\,735\\ \mathrm{kJ\,mol^{-1}}. (valores tabelados).
  • Dissociação da \mathrm{F_{2}}: D(\mathrm{F-F})\approx +158\\ \mathrm{kJ\,mol^{-1}} para \mathrm{F_{2}\rightarrow 2F}. (tabelado; fraca ligação F–F).
  • Afinidade eletrônica do flúor: \mathrm{EA}(\mathrm{F})\approx -328\\ \mathrm{kJ\,mol^{-1}} (energia liberada quando \mathrm{F} captura um elétron). Para dois flúor total \approx 2\times(-328)=-656\\ \mathrm{kJ\,mol^{-1}}.
  • Distância iônica efetiva (soma dos raios iônicos Ca{2+}+F-): tomo r_{0}\approx 2{,}36\\ \text{\AA}=2{,}36\times10^{-10}\\ \mathrm{m}. (valor aproximado para Ca–F em fluorita; suficiente para estimativa).
  • Expoente de Born: escolho n=7 (valor típico para haletos/óxidos; controla a correção repulsiva).
  • Constantes físicas: N_{A}=6{,}022\times10^{23}\\ \mathrm{mol^{-1}}, k_{e}=\dfrac{1}{4\pi\varepsilon_{0}}=8{,}9876\times10^{9}\\ \mathrm{N\,m^{2}\,C^{-2}}, e=1{,}6022\times10^{-19}\\ \mathrm{C}.
    Obs.: estou sendo explícito com todas as escolhas; a estimativa final depende desses parâmetros — pequenas variações neles mudam algumas dezenas de kJ·mol^{-1} no resultado.

Passo 4

Cálculo passo a passo da energia reticular pelo Born–Landé (explico as contas para que você repita na prova):
  1. Calculo do fator elétrico combinado N_{A}k_{e}e^{2}:
N_{A}k_{e}e^{2} = (6{,}022\times10^{23})\cdot(8{,}9876\times10^{9})\cdot(1{,}6022\times10^{-19})^{2}.
Faço em etapas: e^{2}=(1{,}6022\times10^{-19})^{2}=2{,}566\times10^{-38}\\ \mathrm{C^{2}}.
Então k_{e}e^{2}=8{,}9876\times10^{9}\times2{,}566\times10^{-38}=2{,}307\times10^{-28}\\ \mathrm{J\,m}.
Multiplicando por N_{A}: N_{A}k_{e}e^{2}=6{,}022\times10^{23}\times2{,}307\times10^{-28}=1{,}389\times10^{-4}\\ \mathrm{J\,m\,mol^{-1}}.
2) Agora aplico a fórmula de Born–Landé (em kJ·mol^{-1}); note que vou dividir por r_{0} e converter J em kJ:
U = -\frac{N_{A}k_{e}e^{2}\,M\,|z^{+}z^{-}|}{r_{0}}\left(1-\frac{1}{n}\right).
Inserindo números: N_{A}k_{e}e^{2}=1{,}389\times10^{-4}\\ \mathrm{J\,m\,mol^{-1}}, M=2{,}520, |z^{+}z^{-}|=|+2\times(-1)|=2, r_{0}=2{,}36\times10^{-10}\\ \mathrm{m}, \left(1-\dfrac{1}{n}\right)=1-\dfrac{1}{7}=\dfrac{6}{7}\approx0{,}85714.
3) Primeiro o quociente \dfrac{1{,}389\times10^{-4}}{r_{0}} = \dfrac{1{,}389\times10^{-4}}{2{,}36\times10^{-10}} = 5{,}881\times10^{2}\\ \mathrm{J\,mol^{-1}} (ou 588{,}1\\ \mathrm{kJ\,mol^{-1}}).
4) Multiplico por M e por |z^{+}z^{-}|: 588{,}1\\ \mathrm{kJ\,mol^{-1}}\times2{,}520\times2 = 2{,}965\\ \mathrm{kJ\,mol^{-1}} (mais precisamente 2{,}965\times10^{3}\\ \mathrm{kJ\,mol^{-1}}).
5) Aplico a correção \left(1-\dfrac{1}{n}\right): 2{,}965\times10^{3}\times0{,}85714 \approx 2{,}541\times10^{3}\\ \mathrm{kJ\,mol^{-1}}.
6) O sinal é negativo (energia liberada na formação da rede):
U \approx -2{,}541\times10^{3}\\ \mathrm{kJ\,mol^{-1}} \quad\text{(energia reticular estimada).}
Comentário: esse valor é uma estimativa razoável para \mathrm{CaF_{2}}; variações no r_{0} ou em n mudariam o número em algumas dezenas a algumas centenas de kJ·mol^{-1}.

Passo 5

Montagem numérica do ciclo de Born–Haber para obter \Delta H_{f}^{\circ}(\mathrm{CaF_{2}}). Relembre: somamos os passos alternativos (sublimação + ionizações + dissociação + afinidades eletrônicas + energia reticular). Escrevo a soma com os sinais corretos:
\Delta H_{f}^{\circ} = \Delta H_{\mathrm{sub}}(\mathrm{Ca}) + \mathrm{IE}_{1}+\mathrm{IE}_{2} + D(\mathrm{F_{2}}) + 2\cdot\mathrm{EA}(\mathrm{F}) + U.
Atenção às convenções: \mathrm{EA}(\mathrm{F}) é negativo (libera energia); como no ciclo usamos o valor numérico de afinidade já com sinal, coloco diretamente. Substituindo os valores (todos em \mathrm{kJ\,mol^{-1}}):
\Delta H_{f}^{\circ} \approx 178 + 1\,735 + 158 + 2\times(-328) + (-2\,541).
Calculo passo a passo: 178+1\,735=1\,913. 1\,913+158=2\,071. 2\times(-328)=-656; então 2\,071-656=1\,415. Soma com U: 1\,415+(-2\,541)=-1\,126\\ \mathrm{kJ\,mol^{-1}}.
Portanto a estimativa é
\Delta H_{f}^{\circ}(\mathrm{CaF_{2},s})\approx -1{,}13\times10^{3}\\ \mathrm{kJ\,mol^{-1}}.

Passo 6

Interpretação, erro e comentários didáticos:
  • A estimativa \Delta H_{f}^{\circ}\approx -1{,}13\times10^{3}\\ \mathrm{kJ\,mol^{-1}} é consistente em ordem de grandeza com valores tabelados reais (valores experimentais costumam ficar em torno de -1{,}2\times10^{3}\\ \mathrm{kJ\,mol^{-1}}; a diferença vem de aproximações: r_{0} aproximado, escolha de n, e pequenas contribuições termodinâmicas (entropias, correções de estado) que não incluí).
  • Em prova: explique claramente cada termo do ciclo, indique as fontes dos dados (tabelas) e faça uma estimativa do lattice energy com a Born–Landé usando o M fornecido — isso demonstra domínio do método. Se estiver sem calculadora, explique qualitativamente que a energia reticular é muito grande e negativa e domina o balanço.

Passo 7

Parte (b) — princípio para ordenar pontos de fusão (explicação didática, passo a passo):
  • Em sólidos iônicos, o ponto de fusão está fortemente correlacionado com a energia reticular: quanto maior (em módulo) a energia reticular, mais energia é necessária para separar os íons e, portanto, maior o ponto de fusão.
  • A energia reticular, grosseiramente, escala com o produto das cargas |z^{+}z^{-}| e é inversamente proporcional à distância iônica r_{0}. Assim, cargas maiores e íons menores aumentam o módulo da energia reticular. Também a geometria/cristalografia (constante de Madelung) afeta, mas para comparação qualitativa consideramos principalmente cargas e tamanhos iônicos.

Passo 8

Aplicando a regra aos compostos dados (análise qualitativa):
  • Produtos de cargas (valor absoluto):
    • \mathrm{Li_{2}O},\\ \mathrm{Na_{2}O},\\ \mathrm{K_{2}O}: cátion +1, ânion 2- \Rightarrow |z^{+}z^{-}|=2.
    • \mathrm{CaF_{2}}: +2 e -1 \Rightarrow |z^{+}z^{-}|=2.
    • \mathrm{UO_{2}}: +4 e 2- \Rightarrow |z^{+}z^{-}|=8 — muito maior, logo energia reticular muito grande e ponto de fusão mais alto.
  • Entre os óxidos alcalinos \mathrm{Li_{2}O},\mathrm{Na_{2}O},\mathrm{K_{2}O} a diferença principal é o raio do cátion: r(\mathrm{Li^{+}})<r(\mathrm{Na^{+}})<r(\mathrm{K^{+}}). Íon menor → íons mais próximos → energia reticular maior → ponto de fusão maior. Assim a ordem entre eles (do maior para o menor ponto de fusão) é \mathrm{Li_{2}O}>\mathrm{Na_{2}O}>\mathrm{K_{2}O}.
  • Comparando \mathrm{Li_{2}O} com \mathrm{CaF_{2}}: ambos têm produto de cargas absoluto 2; decide o tamanho efetivo das partículas e a estrutura. \mathrm{Li^{+}} é muito pequeno, e \mathrm{O^{2-}} tem raio comparável ao \mathrm{F^{-}} (às vezes \mathrm{O^{2-}} é maior), mas o cátion muito pequeno em \mathrm{Li_{2}O} tende a produzir energia reticular maior do que em \mathrm{CaF_{2}} (onde o cátion é \mathrm{Ca^{2+}} relativamente maior). Assim espera-se T_{fus}(\mathrm{Li_{2}O})>T_{fus}(\mathrm{CaF_{2}}). (Tabela experimental confirma que \mathrm{Li_{2}O} funde mais alto que \mathrm{CaF_{2}}).
  • Conclusão qualitativa: a sequência do menor para o maior ponto de fusão é: \mathrm{K_{2}O} < \mathrm{Na_{2}O} < \mathrm{CaF_{2}} < \mathrm{Li_{2}O} < \mathrm{UO_{2}}.

Resposta

a) \Delta H_{f}^{\circ}(\mathrm{CaF_{2},s}) \approx -1{,}13\times10^{3}\\ \mathrm{kJ\,mol^{-1}}\n
b) \mathrm{K_{2}O} < \mathrm{Na_{2}O} < \mathrm{CaF_{2}} < \mathrm{Li_{2}O} < \mathrm{UO_{2}}

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