Questão 2: Entre os anos 1861-1862 Maxwell publicou dois trabalhos nos quais introduziu um termo a mais na lei de Ampère (posteriormente denominada de lei de Ampère-Maxwell) chamado de “corrente de deslocamento”. Na forma diferencial:
\vec{\nabla} \times \vec{B}=\mu_{0} \vec{j}+\mu_{0} \epsilon_{0} \frac{\partial \vec{E}}{\partial t}
(a) Mostre que esse termo a mais acrescentado por Maxwell pode ser justificado analisando a corrente em capacitores;
(b) Discuta sobre o porque desse novo efeito, predito por Maxwell teoricamente, não ter sido verificado inicialmente por observações experimentais;
(c) Escreva as equações de Maxwell (com a lei de Ampère generalizada) na sua forma diferencial, considerando uma região no vácuo onde não há cargas nem correntes e discuta a simetria das equações;
(d) Mostre que a partir das equações no item anterior é possível verificar que os campos elétricos e magnéticos obedecem uma equação de onda cuja velocidade é dada por
v=\frac{1}{\sqrt{\epsilon_{0} \mu_{0}}}
calcule o seu valor numérico e compare com a velocidade de luz no vácuo. O que é possível concluir disso?

Passo 1

O enunciado trata da correção de Maxwell à lei de Ampère, que adiciona o termo de “corrente de deslocamento” \mu_{0}\epsilon_{0}\frac{\partial \vec{E}}{\partial t}. Vamos usar a equação da continuidade de carga para justificar esse termo em capacitores, discutir sua não observação inicial, escrever as equações de Maxwell no vácuo e derivar a equação de onda para os campos, extraindo a velocidade v=1/\sqrt{\epsilon_{0}\mu_{0}}.

Passo 2

Para justificar o termo extra em capacitores usamos a equação da continuidade de carga, que diz
\vec{\nabla}\cdot\vec{j} + \frac{\partial \rho}{\partial t} = 0.
Na região entre as placas não há corrente de condução \vec{j}=0, mas a densidade de carga varia, pois as placas se carregam. Do teorema de Gauss temos
\vec{\nabla}\cdot\vec{E} = \frac{\rho}{\epsilon_{0}} \quad\Rightarrow\quad \frac{\partial \rho}{\partial t} =\epsilon_{0}\,\vec{\nabla}\cdot\frac{\partial \vec{E}}{\partial t}.
Substituindo na continuidade,
0 + \epsilon_{0}\,\vec{\nabla}\cdot\frac{\partial \vec{E}}{\partial t}=0 \quad\Rightarrow\quad \vec{\nabla}\cdot\Bigl(\vec{j}+\epsilon_{0}\frac{\partial\vec{E}}{\partial t}\Bigr)=0.
Para manter a consistência de \vec{\nabla}\times\vec{B} com essa divergência nula, Ampère deve incluir \mu_{0}\epsilon_{0}\partial\vec{E}/\partial t.

Passo 3

Esse efeito não foi verificado experimentalmente de imediato porque o campo magnético gerado pela corrente de deslocamento entre as placas de um capacitor é extremamente pequeno e confinado a uma região bem fina. Os instrumentos da época não tinham sensibilidade ou configuração adequada para medir esse campo, de modo que o termo teórico só foi confirmado indiretamente, ao se detectar ondas eletromagnéticas.

Passo 4

Em região de vácuo sem cargas \rho=0 nem correntes de condução \vec{j}=0, as equações de Maxwell na forma diferencial ficam:
\vec{\nabla}\cdot\vec{E}=0, \qquad \vec{\nabla}\cdot\vec{B}=0,
\vec{\nabla}\times\vec{E}=-\frac{\partial \vec{B}}{\partial t}, \qquad \vec{\nabla}\times\vec{B}=\mu_{0}\epsilon_{0}\frac{\partial \vec{E}}{\partial t}.
Repare que existe uma simetria de dualidade entre \vec{E} e \vec{B}: ambas têm divergência nula, e cada rotação gera a derivada temporal da outra.

Passo 5

Para obter a equação de onda para \vec{E}, tomamos o rotacional de Faraday:
\vec{\nabla}\times(\vec{\nabla}\times \vec{E}) =-\frac{\partial}{\partial t}(\vec{\nabla}\times \vec{B}) =-\mu_{0}\epsilon_{0}\frac{\partial^2\vec{E}}{\partial t^2}.
Pelo identidade vetorial \vec{\nabla}\times(\vec{\nabla}\times \vec{E}) =\vec{\nabla}(\vec{\nabla}\cdot \vec{E})-\nabla^2\vec{E}=-\nabla^2\vec{E}, vem
\nabla^2\vec{E} -\mu_{0}\epsilon_{0}\frac{\partial^2\vec{E}}{\partial t^2}=0.
Analogamente para \vec{B}. Isso é uma equação de onda com velocidade
v=\frac{1}{\sqrt{\epsilon_{0}\mu_{0}}}.
Usando \mu_{0}=4\pi\times10^{-7}\,\mathrm{N/A^2} e \epsilon_{0}\approx8{,}85\times10^{-12}\,\mathrm{F/m},
v\approx\frac{1}{\sqrt{4\pi\times10^{-7}\cdot8{,}85\times10^{-12}}} \approx3{,}00\times10^8\\ \mathrm{m/s},
o que coincide com a velocidade da luz c no vácuo. Concluímos que a luz é uma onda eletromagnética.

Resposta

(a) A inclusão de \mu_{0}\epsilon_{0}\partial\vec{E}/\partial t permite satisfazer a equação da continuidade em capacitores.
(b) O efeito não foi medido inicialmente por ser muito fraco e confinado, além da falta de sensibilidade dos instrumentos da época.
(c) Em vácuo: \vec{\nabla}\cdot\vec{E}=0, \vec{\nabla}\cdot\vec{B}=0, \vec{\nabla}\times\vec{E}=-\partial\vec{B}/\partial t, \vec{\nabla}\times\vec{B}=\mu_{0}\epsilon_{0}\partial\vec{E}/\partial t.
Essas equações são simétricas sob troca de \vec{E}\leftrightarrow\vec{B}.
(d) Dos campos obedece \nabla^2\vec{E}-\mu_{0}\epsilon_{0}\partial^2_t\vec{E}=0
e v=1/\sqrt{\mu_{0}\epsilon_{0}}\approx3{,}00\times10^8\\ \mathrm{m/s}, igual a c: a luz é onda eletromagnética.

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