Questão 5. Seja A um domínio de ideais principais.
a) Mostre que p \in A é elemento irredutível se, e somente se, \langle p\rangle é ideal maximal.
b) Mostre que \frac{\mathbb{Z}}{\langle p\rangle} é um corpo se, e somente se, p é número primo.
Passo 1
Enunciado e dados importantes (o que o problema pede):\n
Foi dado que A é um domínio de ideais principais (DIP).\n
(a) Pede-se: mostrar que, para p\in A, p é elemento irredutível se, e somente se, \langle p\rangle é ideal maximal.\n
(b) Pede-se: mostrar que \dfrac{\mathbb{Z}}{\langle p\rangle} é um corpo se, e somente se, p é número primo.\n
Informações/restrições adicionais que vêm do enunciado:\n
Em (a) o elemento p pertence ao anel A (que é um DIP).\n
Em (b) o ideal \langle p\rangle é o ideal gerado pelo inteiro p em \mathbb{Z}, portanto aqui p é um inteiro.\n
(O enunciado não pede outro tipo de resultado; a resolução deve provar ambas as equivalências.)
Passo 2
Definições e conceitos que vamos usar (explicados devagar, sem pular etapas):\n
Ideais principais: dizer que A é DIP significa que todo ideal de A tem a forma \langle a\rangle=\{xa: x\in A\} para algum a\in A.\n
Unidade: um elemento u\in A é unidade se existe v\in A tal que uv=1.\n
Associados: a e b em A são associados se a=ub para alguma unidade u. Em particular, \langle a\rangle=\langle b\rangle quando são associados.\n
Divisibilidade: dizemos que a divide b em A se existe c\in A tal que b=ac.\n
Elemento irredutível: p\in A é irredutível se p não é unidade e, sempre que p=ab com a,b\in A, então ou a é unidade ou b é unidade. Em palavras: não pode ser escrito como produto de dois elementos não-unidades.\n
Ideal maximal: um ideal M\subset A é maximal se M\neq A e não existe ideal I com M\subsetneq I\subsetneq A. Equivalente: o único ideal que contém M é M e A.\n
Fato útil (conhecido): em qualquer anel comutativo unitário, \langle a\rangle é maximal se e somente se o quociente A/\langle a\rangle é um corpo. Vou usar esse fato no (b), e na (a) vou trabalhar diretamente com ideais pelo caráter de DIP.\n
Essas definições vão aparecer nas provas; quando eu disser “\langle a\rangle é igual a \langle b\rangle” significa que a e b são associados, e quando eu disser “a é unidade” significa \langle a\rangle=A.
Passo 3
Prova da direção (a): se p\in A é irredutível então \langle p\rangle é ideal maximal.\n
Queremos mostrar que não existe ideal próprio I com \langle p\rangle\subsetneq I\subsetneq A.\n
Como A é DIP, qualquer ideal I tem a forma I=\langle a\rangle para algum a\in A. Em particular, se \langle p\rangle\subseteq I então I=\langle a\rangle e p\in\langle a\rangle.\n
p\in\langle a\rangle significa que existe c\in A tal que p = a c. Ou seja, a divide p.\n
Como p é irredutível, a única possibilidade para a fatoração p=ac é que ou a seja unidade ou c seja unidade.\n
Se a é unidade então \langle a\rangle = A, o que dá I=A. Isso contradiz a hipótese de I ser um ideal próprio entre \langle p\rangle e A.\n
Se c é unidade então a é associado a p, portanto \langle a\rangle=\langle p\rangle, ou seja, I=\langle p\rangle.\n
Conclusão: não existe I tal que \langle p\rangle\subsetneq I\subsetneq A. Logo \langle p\rangle é ideal maximal.\n
Comentário amigável: a ideia é simples — num DIP quaisquer ideais são gerados por um elétron só; se p não se decompõe em fatores não-unidades, então qualquer gerador de um ideal maior ou é unidade (faz o ideal ser todo o anel) ou é associado a p (faz o ideal ser \langle p\rangle novamente). Não sobra “espaço” para um ideal intermediário.
Passo 4
Prova da direção (a) inversa: se \langle p\rangle é ideal maximal então p é irredutível.\n
Primeiro nota: se \langle p\rangle é maximal então \langle p\rangle\neq A; portanto p não é unidade (se p fosse unidade \langle p\rangle=A). Isso satisfaz a primeira condição de irredutível: p não é unidade.\n
Suponha, por contradição direto ou para provar a definição, que p = a b com a,b\in A.\n
Como p = a b, temos p\in\langle a\rangle, então \langle p\rangle\subseteq\langle a\rangle.\n
Pelo maximalidade de \langle p\rangle, só podem ocorrer duas coisas: \langle a\rangle = \langle p\rangle ou \langle a\rangle = A.\n
Se \langle a\rangle = A então a é unidade, o que mostra que na fatoração p=ab o fator a é unidade — compatível com p ser irredutível.\n
Se \langle a\rangle = \langle p\rangle então a e p são associados, logo existe unidade u com a = up. Substituindo em p = ab obtemos p = (up)b = u(pb). Multiplicando por u^{-1} (unidade), chegamos a 1 = pb, o que significa que b é unidade. Assim, novamente, na fatoração p=ab um dos fatores é unidade.\n
Portanto sempre que p=ab um dos fatores é unidade; somando isso ao fato de p não ser unidade, concluímos que p é irredutível.\n
Comentário: a conclusão vem diretamente do jeito que ideais e divisibilidade se traduzem em DIP: conter \langle p\rangle é equivalente a dividir p.
Passo 5
Resumo da parte (a) e observações úteis para a prova: \n
Repetindo em palavras: em um DIP o comportamento dos ideais é tão simples que elemento irredutível <=> ideal gerado por ele é maximal.\n
Observação adicional (útil para intuição): em muitos DIP (como \mathbb{Z} ou em anéis de polinômios sobre corpo) elementos irredutíveis coincidem com elementos primos; e ideais gerados por primos são máximos. Mas para (a) não precisei provar primalidade separadamente — trabalhei diretamente com definição de irredutível e com estrutura de ideais.
Passo 6
Agora vamos para (b): enunciado é específico para \mathbb{Z}. Reescrevendo: mostrar que \dfrac{\mathbb{Z}}{\langle p\rangle} é corpo se, e somente se, p é número primo.\n
Lembrete rápido: em \mathbb{Z} o ideal \langle p\rangle é o conjunto de múltiplos de p. A equivalência campo ↔ ideal maximal vale em todo anel comutativo unitário, então \mathbb{Z}/\langle p\rangle é corpo \iff\langle p\rangle é maximal. Em \mathbb{Z} podemos dar provas diretas mais elementares, que eu apresento a seguir.
Passo 7
Prova de (b), direção 1: se p é primo então \dfrac{\mathbb{Z}}{\langle p\rangle} é corpo.\n
Seja p primo (isto é, p é inteiro maior que 1 e suas únicas divisões não-triviais envolvem unidades). Quero mostrar que todo elemento não-nulo na \mathbb{Z}/\langle p\rangle tem inverso.\n
Tome uma classe \overline{a}\in\mathbb{Z}/\langle p\rangle com \overline{a}\neq\overline{0}. Isso significa que p não divide a, ou equivalentemente \gcd(a,p)=1.\n
Pelo Lema de Bézout (ou pelo Algoritmo de Euclides) existe inteiros x,y tais que a x + p y = 1. Escrevendo em classes mod p obtemos \overline{a}\cdot\overline{x} = \overline{1}.\n
Assim \overline{x} é o inverso multiplicativo de \overline{a}. Como \overline{a} era um elemento arbitrário não-nulo, todo elemento não-nulo tem inverso; logo \mathbb{Z}/\langle p\rangle é corpo.\n
Explicação breve do passo chave: Bézout garante a existência de x tal que ax\equiv 1\pmod p sempre que \gcd(a,p)=1; isto é exatamente a construção do inverso de \overline{a}.
Passo 8
Prova de (b), direção 2: se \dfrac{\mathbb{Z}}{\langle p\rangle} é corpo então p é primo.\n
Suponha que \mathbb{Z}/\langle p\rangle seja corpo. Em um corpo não existem divisores de zero: se \overline{a}\cdot\overline{b}=\overline{0} então \overline{a}=\overline{0} ou \overline{b}=\overline{0}.\n
Se p não fosse primo, então p seria composto: existem inteiros a,b com 1<|a|<|p|, 1<|b|<|p| e p=ab.\n3) Considere as classes \overline{a} e \overline{b} em \mathbb{Z}/\langle p\rangle. Nenhuma delas é \overline{0}, porque a e b não são múltiplos de p (pois estão estritamente entre 1 e |p|-1).\n
Mas \overline{a}\cdot\overline{b}=\overline{ab}=\overline{p}=\overline{0}. Temos assim dois elementos não-nulos cujo produto é zero, ou seja, existem divisores de zero. Isso contradiz o fato de um corpo não ter divisores de zero.\n
Portanto p não pode ser composto; assim p é primo.\n
Comentário: essa prova é muito direta e clássica — se o quociente é corpo não pode haver zero divisores, e a existência de uma fatoração não-trivial de p daria exatamente um par de zero divisores nas classes mod p.
Passo 9
Ligando (a) e (b) com um pouco de contexto: \n
Em particular, em \mathbb{Z} (que é um DIP), elementos irredutíveis são os mesmos que números primos (até unidade e sinal). Pelo que fizemos em (a), para p\in\mathbb{Z} irreduitível (isto é, primo) o ideal \langle p\rangle é maximal; por isso \mathbb{Z}/\langle p\rangle é corpo — que é exatamente a direção usada em (b).\n
A prova de (b) que dei é auto-contida e não depende explicitamente do resultado geral (a), mas tudo bate junto: em DIP como \mathbb{Z} o conceito de primo/irredutível, maximalidade do ideal e quociente corpo estão muito interligados.
Resposta
a) \;p é irredutível em A\iff\langle p\rangle é ideal maximal.\n
b) \;\dfrac{\mathbb{Z}}{\langle p\rangle} é um corpo \iffp é número primo.