Ângulo de Torção e Problemas Estaticamente Indeterminados
Teoria
Introdução
Vamos dizer que seu professor/sua professora chegou em aula e lançou o seguinte desafio:
Determine as reações em e em no eixo abaixo, sendo que os trechos e são feitos de materiais diferentes e possuem comprimentos e diâmetros diferentes:
Aí a gente pensa...
Poxa, se tem um torque no sentido anti-horário aplicado em , as paredes em e em vão reagir com torques no sentido horário para manter a peça toda em equilíbrio.
Pensando nisso e usando a regra da mão direita, a gente consegue fazer o diagrama de corpo livre abaixo desse eixo:
E aí aqui a gente encontra um problema.
Nós temos dois torques desconhecidos que queremos encontrar: e .
Mas só temos uma equação de equilíbrio: o equilíbrio de torques ().
Ele nos diz que , mas isso não é suficiente para que a gente encontre os dois torques desconhecidos.
Ou seja, esse é um problema estaticamente indeterminado: os métodos da estática (diagrama de corpo livre e equações de equilíbrio) não são suficientes para resolver ele.
Então...
Como é que a gente pode fazer para encontrar as reações nesse caso?
A solução disso se chama equação de compatibilidade. E vai utilizar o conceito de ângulo de torção!
Ângulo de torção
A gente pode definir como o ângulo de torção entre duas seções de um eixo:
A boa notícia é que existe uma fórmula que descreve os ângulos de torção em um eixo (ou em um trecho de um eixo) em função dos torques que atuam nele!
É a fórmula do ângulo de torção:
Onde:
- é o ângulo de torção do trecho em radianos;
- é o torque interno no trecho, e pode ser encontrado como uma função dos torques aplicados no eixo através de uma análise dos esforços internos;
- é o comprimento do trecho;
- é o módulo de elasticidade transversal do material de que é feito o trecho e é normalmente dado em ;
- é o momento polar de inércia da seção transversal do trecho e é calculado usando as fórmulas que já vimos quando estudamos a Fórmula da Torção.
Equação de compatibilidade
Vamos entender agora a solução do problema!!
Um equação de compatibilidade é quando a gente relaciona as deformações nas peças de forma a garantir que elas respeitem a geometria do lugar onde elas estão.
Por exemplo, no nosso caso, nós temos duas paredes em e em que nem andam nem giram: elas estão fixas.
Só que e são 100% fixos lembra disso? Então o ângulo de torção nesses pontos é zero!
Olha como na parede é realmente zero, enquanto um outro genérico é diferente de zero! Logo:
Além disso, nós podemos dizer que o ângulo relativo entre os pontos e () é zero também!
Agora, o nosso eixo é feito dos trechos e . Se a gente for visualizar o ângulo vai ficar assim:
Nãoi mudou muita coisa né? Isso porque o ponto tem ângulo de troção nula!
Show! Mas a gente pode fazer a mesma coisa para vai ficar assim:
Então o ângulo de torção entre e é igual a soma dos ângulos de torção de cada trecho:
Essa é a nossa equação de compatibilidade! A gente pode visualizar a equação como um todo da seguinte forma:
Olha como o ponto rotacionou, enquanto os outros dois pontos permaneceram estáticos!
Se conseguimos descrever os ângulos de torção e no nosso eixo em função dos torques que atuam nele, vamos ter uma segunda equação relacionando os torques no eixo.
Juntando essa segunda equação com a equação vinda do equilíbrio de torques, vamos conseguir determinar os torques e desconhecidos!
Então, por exemplo, aplicando a fórmula do ângulo de torção para os trechos e do nosso eixo e substituindo isso na equação de compatibilidade , vamos ter que:
Exemplo
Vamos fazer um exercício então! Imagine que temos uma barra de aço engastada como na figura a seguir. Se um torque de for aplicado na extremidade livre da barra, qual será o ângulo de torção nos pontos e no ponto médio da barra? Sabe-se que a barra tem diâmetro igual a .
A primeira coisa que a gente já pode responder é que o ângulo de torção é zero no ponto engastado . Isso até mesmo se justifica pela equação já que
Show! Essa foi fácil. Agora vamos ver para a extremidade livre, o ponto onde . Visualmente vai ficar assim:
A gente tem a distância e o torque . depende do material e para o aço vale e o momento polar de inércia para uma seção circular é calculado como:
Para o nosso caso:
Substituindo na equação nós vamos ter:
E para o ponto ? Pessoal, a única coisa que muda de para é o comprimento que cai pela metade então podemos dizer que:
Repara que se existir apenas um torque então a variação segue um padrão linear!!
Conversão para Graus
Caso seja necessário fazer a conversão do ângulo de torção , calculado pela sua fórmula em radianos, para graus (), basta lembrar que equivale à , de tal forma que:
Semelhanças com a Variação de Comprimento
Uma das formas de decorar essa fórmula é pensar nas semelhanças entre ela e a fórmula da variação de comprimento lá de carga axial:
Além disso, semelhanças também existem na forma como as equações de compatibilidade são escritas.
Se um exercício de carga axial com uma folga de entre duas peças e tinha uma equação de compatibilidade:
Um exercício equivalente de torção, mas com uma folga de , vai ter uma equação de compatibilidade:
Um Comentário Final
Caso você tenha um eixo com um torque distribuído ou com uma seção transversal que varia continuamente (como um cone, por exemplo), você deve usar a fórmula:
Que é a fórmula geral do ângulo de torção.
Em todos os outros casos, o ângulo de torção de um eixo pode ser calculado somando os ângulos de torção de cada um dos seus trechos.
Ângulo de torção
Equação de compatibilidade
Exemplo
Semelhanças com a Variação de Comprimento
Um Comentário Final
Exercícios Resolvidos
Exercício Resolvido #1
Elaboração Própria.
Um eixo maciço de aço () possui um comprimento e um raio . Ele está submetido em suas extremidades a um torque . Determine o valor do ângulo de torção nesse eixo devido ao torque aplicado.
Forneça o resultado em graus ().
Passo 1
O que está acontecendo?
O eixo possui um módulo de elasticidade transversal , um comprimento , um raio e está submetido a um torque .
Além disso, ele é maciço, de tal forma que o seu momento de inércia polar vai ser dado pela fórmula:
E o que é que o exercício quer?
Ele quer que a gente determine o ângulo de torção nesse eixo, que deve ser calculado através de sua fórmula:
Passo 2
Então para calcular o ângulo de torção no eixo, aplicamos a sua fórmula:
De início, podemos substituir que .
Assim temos que:
Arrumando essa expressão, ela fica assim:
Agora, podemos substituir os valores:
- ;
- ;
- ;
- & ,
Para encontrar que:
O que dá:
Passo 3
Agora, esse resultado que encontramos a partir da fórmula do ângulo de torção está em radianos.
Para responder o nosso exercício, precisamos converter esse resultado para graus.
Para tanto, podemos nos lembrar que:
O que significa que:
Usando isso, o nosso resultado vai ficar assim:
Calculando tudo, encontramos a nossa resposta final:
Resposta
Exercício Resolvido #2
Ferdinand P. Beer et al., Mecânica dos materiais, 5ª ed. Porto Alegre: AMGH, 2011, pp. 179-3.36.
Os torques mostrados são aplicados nas polias , e . Sabendo que ambos os eixos têm seção transversal cheia e são feitos de latão (), determine o ângulo de torção entre e e e .
Passo 1
O que está acontecendo?
O eixo é composto pelos segmentos:
- , de comprimento , diâmetro , e, consequentemente, raio ;
- & , de comprimento , diâmetro , e, consequentemente, raio .
Ambos os segmentos são feitos de latão, com um módulo de elasticidade transversal .
Além disso, eixo é carregado com torques externos nos seus pontos , e , como mostra o seu DCL (diagrama de corpo livre) abaixo, feito utilizando a regra da mão direita:
A partir desse DCL, é possível fazer uma análise dos esforços internos para descobrir o valor dos torques internos e nos segmentos e do eixo, respectivamente.
E o que é que o exercício quer?
Ele quer que a gente determine o ângulo de torção entre os pontos e () e entre os pontos e ().
Para calcular , que é o ângulo de torção do segmento do eixo, podemos usar a fórmula do ângulo de torção:
Além disso, também podemos usar essa fórmula para calcular o ângulo de torção do segmento do eixo, .
Daí que, somando com , vamos encontrar :
Passo 2
Vamos começar o exercício fazendo uma análise dos esforços internos na peça para identificar os valores dos torques internos nos trechos e , e .
Primeiro, fazemos seções dentro desses trechos e desenhamos os torques internos desconhecidos:
Nessa análise, desenhamos os torques internos em vermelho “saindo” da peça pois essa é a nossa convenção.
Caso os seus professores utilizem a convenção contrária (a de que os torques internos são positivos quando “entram” nas peças), você deve desenhar os torques internos entrando.
Em seguida, aplicamos o equilíbrio de torques para cada trecho:
Isolando os torques desconhecidos e nessas equações, encontramos que:
Passo 3
Agora, podemos calcular os ângulos de torção dos segmentos e usando a fórmula:
Primeiro, temos que ambos esses segmentos possuem seções circulares maciças, e assim, tem um momento de inércia polar .
Usando isso, temos que:
Arrumando tudo, isso fica assim:
Agora, aplicando essa expressão para o segmento , temos:
Substituindo:
- ;
- ;
- ;
- & ,
- ;
- ;
- ;
- & ,
Encontramos que:
O que nos dá a resposta do item :
Já aplicando a expressão para o segmento , temos:
Substituindo:
Encontramos que:
Passo 4
Encontrados e , podemos soma-los para encontrar :
Substituindo os valores encontrados, temos que:
Calculando isso, encontramos a nossa resposta para o item :
Passo 5
Apesar de que o exercício não especificou no enunciado que ele queria os resultados em graus () e não em radianos (), ele forneceu o gabarito final em graus.
A verdade é que muitos professores preferem resultados em graus, então precisamos saber fazer essa conversão.
Lembra aí...
Você pode converter radianos para graus usando a relação de que equivale à :
Ou seja:
Substituindo isso nas nossas respostas, vamos ter que:
Calculando tudo, encontramos as nossas respostas finais:
Resposta
Exercício Resolvido #3
Russell Charles Hibbeler, Resistência dos Materiais, 7ª ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2010, pp. 153-5.73.
O eixo de aço A-36 tem diâmetro de e está preso nas extremidades e . Se for submetido ao momento, determine a tensão de cisalhamento máxima nas regiões e do eixo.
Dados: .
Passo 1
O que está acontecendo?
O eixo tem um módulo de elasticidade transversal , um diâmetro e, consequentemente, um raio .
Ele está submetido a um torque no ponto .
E ele está preso nas extremidades e , que realizam torques de reação nele de forma a manter o seu equilíbrio.
Usando a regra da mão direita, obtemos o seguinte DCL (diagrama de corpo livre) para esse eixo:
Aplicando as condições de equilíbrio nesse eixo, vamos ter uma única equação (equilíbrio de torques), mas duas incógnitas ( e ).
Isso significa que esse é um problema estaticamente indeterminado.
Então também vamos precisar de uma equação de compatibilidade para resolver o exercício.
Qual vai ser a equação de compatibilidade nesse caso?
Nesse caso, temos que o eixo está fixo nos pontos e .
Assim, temos que o ângulo de torção entre esses dois pontos deve ser igual à zero:
Mas o ângulo de torção entre esses dois pontos é igual à soma dos ângulos de torção do trecho e do trecho :
Essa vai ser a nossa equação de compatibilidade.
Para que ela seja útil, vamos precisar descrever os ângulos de torção de cada trecho do eixo usando a fórmula:
E o que é que o exercício quer?
Ele quer saber a tensão de cisalhamento máxima nas regiões e do eixo.
Essas tensões máximas podem ser calculadas usando a fórmula da torção:
Mas... para poder usar essas fórmulas, precisamos antes conhecer os torques internos nos trechos e desse eixo.
E para conhecer esses torques, vamos ter que usar o equilíbrio de torques e a equação de compatibilidade acima.
Passo 2
Então vamos começar o exercício identificando os torques internos nos trechos e do eixo.
Começamos pelo DCL do eixo:
Em seguida, fazemos uma análise dos esforços internos: secionamos o eixo em cada trecho e observamos os esforços internos nessas seções.
Nessa análise, desenhamos os torques internos em vermelho “saindo” da peça pois essa é a nossa convenção.
Caso os seus professores utilizem a convenção contrária (a de que os torques internos são positivos quando “entram” nas peças), você deve desenhar os torques internos entrando.
Aplicando o equilíbrio de torques em cada caso, temos que:
Isolando os torques e , encontramos que:
Passo 3
Agora que já definimos os torques internos e nos diferentes trechos do nosso eixo, podemos estudar a nossa equação de compatibilidade:
Aplicando a fórmula do ângulo de torção para cada trecho, e tendo em mente que os dois trechos possuem:
- O mesmo módulo de elasticidade transversal ;
- E a mesma seção transversal circular maciça de raio , e, consequentemente, o mesmo momento de inércia polar ,
Essa equação fica assim:
Multiplicando tudo por , temos que:
Substituindo e :